Viagem de autocarro
Ontem, entrei num autocarro com um padre católico sentado no banco ao lado do meu, do outro lado da coxia.
Olhei aquele rosto triste de um homem de 70 anos, com o colar romano a apertar-lhe o pescoço como o cincho onde se estreita o queijo para extrair o soro. Há muito que não via tal adereço na via pública. O uso manteve-se com a resignada dedicação ao múnus.
Não pude deixar de apreciar aquele homem só, a caminho de uma casa da Igreja ou de um ritual que perdeu o sentido e de que a sociedade se desinteressou.
Que sofrimento ajudou a desenhar aquelas rugas? Quantos desejos reprimidos e quantos anos perdidos com o pescoço apertado por um colar e a lapela ornada com uma cruz?
Terá amado, teve sonhos, realizou-os? A meu lado um cidadão, sozinho, levava os olhos vazios e o ar de quem cumpriu a vida sem a viver.
Era preciso ser cínico ou mau para não sentir compaixão por quem dedicou o tempo e a juventude a uma quimera, perdeu a vida perseguindo o sonho do Paraíso e chega ao fim da estrada sem saber por que a percorreu.
Somos ambos da mesma massa. Com poucos anos de distância ensinaram-nos a ajoelhar e a rezar. Eu levantei-me, ele ficou de joelhos. Eu vivi a vida, amei e passei incógnito na estúrdia, sem um colar a que só falta a trela e sem a cruz a que não faltaram espinhos. Ele imolou a vida por um mito e esqueceu-se de si próprio por coisa nenhuma.
É injusto que aquele homem que sofreu o que eu não sofri, que trocou a vida por outra que não existe, tenha os mesmos sete palmos de terra à sua espera sem um filho que lhe recorde o nome ou guarde o retrato. Por um deus que inventaram para lhe tramar a vida.
Olhei aquele rosto triste de um homem de 70 anos, com o colar romano a apertar-lhe o pescoço como o cincho onde se estreita o queijo para extrair o soro. Há muito que não via tal adereço na via pública. O uso manteve-se com a resignada dedicação ao múnus.
Não pude deixar de apreciar aquele homem só, a caminho de uma casa da Igreja ou de um ritual que perdeu o sentido e de que a sociedade se desinteressou.
Que sofrimento ajudou a desenhar aquelas rugas? Quantos desejos reprimidos e quantos anos perdidos com o pescoço apertado por um colar e a lapela ornada com uma cruz?
Terá amado, teve sonhos, realizou-os? A meu lado um cidadão, sozinho, levava os olhos vazios e o ar de quem cumpriu a vida sem a viver.
Era preciso ser cínico ou mau para não sentir compaixão por quem dedicou o tempo e a juventude a uma quimera, perdeu a vida perseguindo o sonho do Paraíso e chega ao fim da estrada sem saber por que a percorreu.
Somos ambos da mesma massa. Com poucos anos de distância ensinaram-nos a ajoelhar e a rezar. Eu levantei-me, ele ficou de joelhos. Eu vivi a vida, amei e passei incógnito na estúrdia, sem um colar a que só falta a trela e sem a cruz a que não faltaram espinhos. Ele imolou a vida por um mito e esqueceu-se de si próprio por coisa nenhuma.
É injusto que aquele homem que sofreu o que eu não sofri, que trocou a vida por outra que não existe, tenha os mesmos sete palmos de terra à sua espera sem um filho que lhe recorde o nome ou guarde o retrato. Por um deus que inventaram para lhe tramar a vida.
Comentários
Agora acho um pouco arcaica a imagem do retrato guardado pelos filhos.
Tem o direito de pensar o que quiser sobre o homem que por acaso era padre...mas, dizer que aquele homem não viveu feliz, não se realizou, ao longo da sua vida, é atrevimento demasiado.
O padre, naturalmente, tem fé, o Carlos Esperança tem ódio...
Um e outro, frequentaram no seminário, os professores é que foram diferentes...
Enquanto o padre, acabou o curso e abraçou o sacerdócio, o Carlos ficou pelo caminho e fez-se à vida...
Tantas vidas desperdiçadas quanto o tempo em que se escreveu este texto.
Eça é que é essa!
Deste texto retira-se algo muito importante..
"Devemos viver todos à imagem e semelhança do Carlos Esperança!"
Mas cuidados cidadãos, CUIDADO, senão acabamos todos sózinhos sempre a conjecturar contra todos, sentaditos num café de celas, com ódio nos olhos... CUIDADO