Adultério e pena de morte

A pena de morte é uma barbárie que repugna ao humanismo e um acto de vingança que envergonha os Estados e os cidadãos. É natural que tenha vindo a ser erradicada dos países civilizados, sobretudo daqueles onde são mais fundas as marcas do Iluminismo e melhor defendidos pelas Constituições os direitos, liberdades e garantias.

Mas se a rusticidade da violência é já, em si, uma enormidade que afronta a civilização e a decência, há motivos que juntam, à vingança e crueldade, a demência.

No Irão acabam de ser condenados à morte por lapidação, uma pena do especial agrado de Maomé, oito mulheres e um homem acusados de adultério, crimes que resultam sobretudo da violência doméstica e onde os condenados carecem de instrução básica para perceberem o crime de que são acusados.

As teocracias são o contrário das democracias e não se espera contemplações do Profeta ou de quem promulga as suas divinas leis. De pouco servem as circunstâncias em que o crime foi cometido ou a confusão obscena entre crime e pecado, entre o Código Penal dos países laicos e o direito canónico, de sabor medieval, dos países sob tutela clerical.

Camilo e Ana Plácido estiveram presos, ele por ter copulado com mulher casada e ela por adultério, pena exclusiva de mulher. O homem só era punível quando apanhado em flagrante delito «sós e nus na mesma cama» ou por existência de carta ou documento escrito. Foi uma carta que perdeu Camilo. O escritor cumpriu mais de um ano de prisão preventiva e Ana Plácida um pouco mais. Terá pesado a ousadia de retirar do Convento da Conceição, em Braga, uma mulher que devia dedicar-se à contemplação mística e à oração, em vez de dar-se a relaxações eróticas.

Em Portugal já decorreu século e meio. No Irão ainda hoje vigora o crime, com efeitos muito mais arrasadores. Em Portugal resta, como resquício teocrático e vergonha dos legisladores, o crime de blasfémia, punível com prisão, que a jurisprudência ignora perante um bem maior – a liberdade de expressão.

No Irão dos aiatolas a polícia e os tribunais são um mero instrumento do clero de que o mundo civilizado é cúmplice em nome do respeito pela tradição e pela cultura.

Apostila - Crónica publicada também no «Sorumbático»

Comentários

Agora os "comunistas"(?!) transformaram-se em "multiculturalistas", defendendo que devemos respeitar as "Culturas" dos talibans e quejandos. É preciso denunciar e criticar esse sucedâneo de ideologia, absolutamente anti-democrático, anti-socialista e mesmo anti-marxista.
e-pá! disse…
Caro ahp:

Não tenho qualquer procuração para defender os comunistas - eles vão escasseando pelo Mundo - mas as sociedades equilibradas têm de ser multiculturais.
Qualquer povo deve possuir a sua identidade (forte, na minha opinião) mas esse facto não pode abafar o contacto e a convivência com outras culturas.
Dificil é entender as chamadas "culturas dominantes". Mas isso é outro assunto.

As sociedades onde vivemos são sempre mosaicos culturais e miscelâneas étnicas.
De certo modo, democracia é, como disse Charles Taylor, a política do reconhecimento do outro.

É por essa razão que a democracia é ainda em grande parte do Mundo tão incipiente e maltratada. E não ao contrário.
O reconhecimento do outro é um dos maiores libelos contra a pena de morte, seja pelo fuzilamento, injecção letal, enforcamento ou lapidação.
O método é só relevante em termos humanitários e relaciona-se com o sofrimento inerente. O que está a mais, o execrável, é a existência (ou persistencia) da pena de morte.
Onde quer que ela esteja em vigor.
Matar é tão condenável em Herat como em Dallas.

Não podemos é meter no saco da democracia e "talibans e quejandos" ...
Estes, por enquanto, confrontam-se com as contradições da barbárie...
Não reconhecem o outro.
O outro é tão somente um infiel.
Caro e-pá!
Não posso deixar se concordar com o que diz; dantes chamava-se a isso cosmopolitismo, coisa que sempre defendi e de que os "comunistas", sobretudo nos tempos de Stalin, sempre desconfiaram.
Com o que não concordo é que se confunda isso com uma espécie de tribalismo, em que cada tribo pretende viver com as suas próprias leis, por vezes inadmissíveis num país civilizado. Daí só podem resultar conflitos tribais, como os que há pouco rebentaram em Loures entre a tribo de "cultura" cigana e a tribo de "cultura" africana.
Que cada um tenha a sua maneira de pensar e de viver, tudo bem, desde que se respeitem os limites mínimos exigíveis numa sociedade democrática e civilizada e cada um faça a sua vida sem incomodar e conflituar com o "outro".

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