Nuno Álvares Pereira – de herói a colírio

Quando se ganham batalhas facilmente se esquece a bondade das causas, a legitimidade das posições e a personalidade do autor.

Nuno Álvares é um herói que as batalhas tornaram famoso e o sangue dos castelhanos glorioso. Pode parecer hoje anacrónica a razão dos combates, interesseira a escolha da trincheira e exagerado o número dos que sangrou, mas em época de crise alimenta a vaidade e anestesia o povo.

Nuno Álvares mudou a história da Península Ibérica, tornou possível a dinastia de Avis e serviu sempre, em momentos de crise, para estimular o orgulho nacional.

O antigo escudeiro de D. Leonor Teles era danado para batalhas. Começou cedo a matar castelhanos, em 1384, no recontro dos Atoleiros. Em 1385 saciou-se em Aljubarrota e, tendo-lhe ficado o vezo, ainda se deslocou a Valverde, território castelhano, para aviar mais alguns.

Farto de matar castelhanos, foi a Ceuta experimentar os mouros em 1415. Depois, aborrecido da espada e de andar fora de casa, recolheu-se ao Convento do Carmo, que fundara, e aí viveu o tempo que ainda teve, até ao ano de 1431.

Era um herói. Agora passou a taumaturgo. Uma sexagenária queimou um olho com óleo de fritar peixe, invocou o D. Nuno e logo ficou boa. Os médicos não sabem dizer se foi do óleo ou do beato a cura repentina e o Vaticano tem a certeza do milagre.

Mas é triste ver um herói acabar como colírio para queimaduras de óleo de fritar peixe.

Comentários

Carlos Esperança no seu melhor. Sarcástico; Mordaz e estimulante; é possível ver o seu sorriso quiçá mesmo um alegre gargalhar neste texto que se contrapõe a outros em que entrega o coração.

Eu ri a bandeiras desfraldadas !
Obrigado.
jrd disse…
(À revelia da Asae).
Sabe-se que o óleo era de girassol, proveniente da Ucrânia, e estava de tal modo adulterado que nem fervia.
e-pá! disse…
Nuno Alvares Pereira, condestável do reino, desempenhou um papel importante papel como chefe militar, na crise de 1383-1385, onde Portugal jogou a sua independência contra Castela.
Nas horas vagas cumpria, ao que parece, devotamente e prolongadamente com os seus deveres religiosos.

Hoje, quem visita a casa onde viveu em Monsaraz, tem disso noção, apesar do IPAR ter caiado alguns frescos murais que a embelezavam.

Ajudou a Casa de Avis a consolidar a sua posição reinante em Portugal.
É um homem que resolve, na área militar, em confronto com Castela , e em manifesta inferioridade númérica, a crise do poder, com a determinante batalha de Aljubarrota.
Estará aí o seu primeiro milagre. Cria a "ala dos namorados". É uma espécie de S. António dos tempos da Dinastia de Avis.
Outra, será a história das pias arrochadas das padeiras, revelação que não tem sido bem explorada.
E há mais...

O Condestável rezava muito...
Tal elevação e tal entrega aos mistérios espirituais, não o impediu a fundar, para a sua descendência, a Casa de Bragança que, rapidamente, se tornou dona de Portugal.
Entretanto fina-se no Convento do Carmo, que será, seis séculos mais tarde, o centro de decisões operacionais com o governo deposto em 25 de Abril. Outro milagre!

Finalmente, a linhagem de Avis extingue-se com a morte de D. Sebatião.
O Sebatianismo é um novo milagre (tardio).

Depois, do interregno filipino, a Casa de Bragança, nascida da sua lavra, está pronta para reinar em Portugal até à implantação da República.
Outro milagre. Com tantas reais tropelias como resistiram tanto tempo no poder?

O cardeal Saraiva Martins, se olha-se, atentamente, para a nossa História até podia dispensar o colírio. A não ser que o riso lhe provocasse uma conjuntivite.

Mais uma graça se roga ao cardeal. Há mais ou menos um ano "encheu" a Espanha de beatos e santos, apaniguados falangistas que combateram na Guerra Civil. Combateram com devoção e para que não lhe esmorecesse a fé, andaram nos campos de batalha, a matar, a estropiar e mutilar com tanto fervor que foram posotos nos altares.
Caro cardeal, ninguém lhe vai cobrar uma dívida semelhante em relação a Portugal, mesmo com nove séculos de História, os pastorinhos, etc.
Pode estar em Roma descansado. Mesmo com o Condestável à perna... ou no olho.
E se a sexagenária Senhora, em vez de invocar o D. Nuno, tivesse invocado o Bocage, será que o Vaticano canonizaria o Bocage?

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