Passos Coelho: Uma intolerável ‘instrumentalização' natalícia…
O primeiro-ministro português cumpriu uma tradição política paroquial e dirigiu uma mensagem, dita natalícia, aos portugueses. link
Para além de considerações visionárias sobre crescimento do desemprego e a recuperação da economia, momento em que decidiu ‘trabalhar’ conceitos estatísticos transformando números pontuais e ocasionais em ‘vitórias’ face a uma teimosa realidade dominada pela perfeita consciência de que estamos perante um cenário substancialmente diferente.
O quadro recessivo criado pelas políticas de austeridade excessivas promovidas por este Governo, em dilecta concertação com a Troika, esgotou desde há muito as suas virtudes (se é que algum dia as teve) e do que se trata é de um abrandamento reactivo face a um conjunto de infortúnios onde o esgotamento e uma progressiva saturação se instalaram na sociedade portuguesa por motivos que sociologicamente se justificam e que determinam ‘oscilações comportamentais’, nomeadamente perante o consumo, i. e., face à retoma do mercado interno que este Governo anatemizou como um 'viver acima das possibilidades'...
Há neste quadro reactivo muito da postura relativamente frequente face ao desespero e que pode ser definida pelo slogan: ‘perdidos a velas, perdidos a remos’.
A infantil reacção que Passos Coelho transmitiu na sua mensagem foi a que “…A (nossa) economia começou a crescer e acima do ritmo da Europa…” link. Trata-se um desbragado exemplo da inconsciência política que campeia no seio deste (des)Governo ou, então e igualmente grave, de mais uma vã tentativa de prosseguir num caminho de engano e de venda de ilusões. Se para a globalidade das previsões a nossa economia está dependente (subsidiária) da Europa não se percebe como se apresenta nestes dados acima dessa realidade onde nos inserimos. Só por um ‘acidente’ que não tem como base qualquer coisa de sólido e de palpável e que passou a ser esgrimido como um irresponsável malabarismo. Na realidade estamos se fizermos uma análise global da acção desde Governo perante uma cruel realidade: a actividade económica entre 2011 a 2013 (período de vigência deste Governo) teve uma brutal contracção de 6% link e o crescimento previsto pela OCDE para 2014 cifra-se em poucas décimas acima da ‘linha de água’ (+0.4%) link. Tirar destes números conclusões 'festivas' é manifestamente enganador e abusivo.
A tirada “…Com a ajuda das políticas ativas de emprego, o desemprego, que tinha atingido níveis inaceitáveis no decurso desta crise, tem vindo a descer mês após mês, e em particular o desemprego jovem…” link mostra, perfeitamente, o desmesurado nível de demagogia que se entranhou no actual Executivo. Nada sobre as razões pelas quais o tão celebrado ‘ajustamento’ se fez à custa de lançar largas centenas de milhares de portugueses no desemprego. O classificado como ‘inaceitável’ não é (nem nunca foi) uma fatalidade. Foi, isso sim, uma deliberada opção que, no presente, se pretende escamotear à sombra de ténues indícios de 'retoma' que, efectivamente, não passarão de paradoxais oscilações. E quanto ao desemprego o Governo deveria ter a humildade de reconhecer que na sua previsão para 2013 (ainda durante o consulado de Gaspar) o sentido da sua evolução era do seu aumento para 18.2% link. O que poderá estar a suceder (se não existirem erros de análise e manipulação estatística) é algo de errático, difícil de interpretar. São, tudo indicia, flutuações sazonais ou acidentais – é isso que se estará a observar - que não autorizam o Sr. primeiro-ministro a promover um rasgado auto-elogio das suas políticas e a classificar, baseado em pressupostos mistificados, qualquer ‘acerto’ das políticas que têm sido seguidas. Infelizmente, parece que ainda estamos longe de poder avaliar a oportunidade e justeza dos sacrifícios.
Aliás, nesta mensagem o primeiro-ministro levanta a ponta do véu quando afirma que “Precisaremos de todos os instrumentos que mobilizámos para concluir sem perturbações o Programa.” link …
Todos conhecemos quais são os ‘instrumentos’. Eles foram até aqui o empobrecimento coercivo e deliberado da maioria dos portugueses, uma espiral recessiva descontrolada, o desemprego massivo e na vertente financeira a transferência de riqueza dos mais pobres para os mais ricos, com as inevitáveis fracturas sociais. Cego e obstinado Passos Coelho não quer medir as consequências profundas da sua acção governativa. Aproveitando uma data simbólica (Junho de 2014) que, enganadoramente, pretende transformar num acto libertador (o ‘fim do protectorado’) alimenta a espúria esperança que será capaz de 'mobilizar' os portugueses para uma meta que sabe ser ilusória e fantasiosa.
Esta passagem da sua mensagem onde enfatiza as atitudes ‘instrumentais’ clarifica os últimos desaires do Governo, nomeadamente, o recente chumbo do Tribunal Constitucional que classificou a tal ‘convergência do regime de pensões’ como um ‘acto avulso’ (de reduzido impacto orçamental perante as imprevisíveis consequências económicas). De facto, os ‘expedientes instrumentais’ de que se socorreu para ‘justificar’ a continuidade de políticas desastrosas não conseguem disfarçar uma penosa ausência de estratégia ou, se formos ao fundo da questão, a ‘instrumentalização’ do poder para objectivos miseráveis que se acantonam numa radical deriva neoliberal que está a exaurir, programada e metodicamente, o País. Todavia, esta cruel análise da realidade não coube na fantasiosa e festiva quadra natalícia que atravessamos.
Pelo que fomos presenteados - na mensagem natalícia do primeiro-ministro - com mais um orquestrado e intolerável conjunto de aleivosias, 'instrumentais'.
Pelo que fomos presenteados - na mensagem natalícia do primeiro-ministro - com mais um orquestrado e intolerável conjunto de aleivosias, 'instrumentais'.
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