Cavaco Silva: entre a inutilidade, a irresponsabilidade e a irrealidade e o ‘entroikamento’…

A promulgação pelo PR da proposta de Lei do OE 2014 link, apresentada aos portugueses como um acto de bom senso político, não deixa de ser mais uma subserviência aos ‘mercados’. De pouco importa agarrar-se ao histórico de anteriores presidências para a ‘justificar’. Se para os sucessivos cortes e no intuito de consolidar o progressivo empobrecimento dos portugueses se invoca diariamente a ‘excepcionalidade’ do momento, a mesma atitude (de excepção) também caberia aqui. O documento enviado pela AR e que lhe chegou às mãos é oriundo de um Governo relapso na ‘construção’ de legislação anticonstitucional ou, como é o caso presente, de duvidosa constitucionalidade. Assim, e não vale a pena fugir à evidência, a opção de Cavaco Silva rege-se pelo princípio de que para não importunar (ou agitar) os ‘mercados’ mais vale infernizar a vida aos portugueses. De uma penada a atitude diletante do PR trata, quer os mercados (conhecedores em pormenor das circunstâncias nacionais), quer os cidadãos (submetidos a sacrifícios ‘ilimitados’), com uma marcada displicência travestida de ‘esperteza’.

Portanto, a atitude do PR nada tem de consentâneo com a defesa dos princípios constitucionais que jurou e passa ao largo do direitos e deveres dos cidadãos que são a matriz natural do interesse nacional. Uma postura muito pouco ‘republicana’.

No presente caso deferiu para a proximidade do fim do programa de auxílio externo em curso questões com um importante impacto na execução orçamental e na obtenção dos equilíbrios das contas públicas (objectivo que não é contestado, mas sim os caminhos e os métodos). Encaixar a decisão de promulgar o OE 2014, sem rapidamente tentar expurgá-lo de eventuais inconstitucionalidades (fiscalização preventiva), como uma atitude prudente ou ‘cautelar’, só poderá existir numa mente obnubilada por inconfessáveis (como no tempo da outra senhora era usual dizer-se) ‘compromissos’. Aliás a reacção do CDS/PP revela o ‘estado das coisas’ ao saudar e salientar pela voz da deputada Cecília Meireles - “uma decisão política no sentido da estabilidade e da regularidade” link. Atente-se, para que não restem dúvidas, sobre a óbvia classificação atribuída: ‘ uma decisão política…’.

Os ‘mercados’ – e os seus lídimos representantes (FMI, CE e BCE) - conhecem perfeitamente a situação portuguesa e os seus condicionalismos como foi visível pelas pressões e interferências que ‘ousaram’ fazer (perante a passividade do PR), caso da ‘convergência de pensões’, no período que precedeu a recente decisão do TC. Sabem que o PR está simplesmente a adiar um passo processual (a fiscalização constitucional ‘latu sensu’ do OE 2014) tentando com esse subterfúgio ganhar tempo perante a ‘troika’. Já no que diz respeito aos portugueses e às portuguesas esta sua decisão só contribui para a ‘instabilidade social’ e terá – associado por exemplo a permissão de aumentos acima da inflação no sector energético – um importante impacto nos rendimentos pessoais. Somar cortes sectoriais (Função Pública), contribuições extraordinárias de ‘solidariedade’, ‘enormes’ aumentos de impostos, minimização das prestações sociais, o encarar altas taxas de desemprego como uma fatalidade ‘necessária’ para o ajustamento, etc., é um autêntico despautério e o PR embora fuja a encará-lo, conhece bem os seus efeitos. Mais à frente (Março/Abril) quando se verificarem os efeitos destas ‘cumulativas malfeitorias’ (danos irreparáveis na economia real do País, por via de uma redução obsessiva do rendimento das famílias e o colapso do mercado interno), os portugueses saberão tirar duas conclusões:

1.) Que os danos eram evitáveis – ou capazes de ser minorados - por uma postura preventiva perante ao OE 2014;

2.) Que um eventual ressarcimento será sempre paliativo. As sequelas persistirão para além de correcções à posteriori.

Finalmente, o PR também ‘sabe’ que este OE não conseguirá fugir a uma fiscalização (sucessiva) do TC, já anunciada pela(s) Oposição(ões) da AR (que votou em bloco contra). Ao ‘fazer política’ o PR teria necessariamente de tomar em consideração e evidenciar capacidade de avaliar estes desequilíbrios e as perspectivas que lhe estão inerentes. Isto é, ter a noção que as medidas ‘estruturais’ anunciadas para controlar o deficit, quando suportadas por uma maioria política simples e instável, não passam de avulsos ‘arranjos circunstanciais’. Um Presidente dominado por tão voláteis circunstâncias coloca-se a reboque de fortuitas oportunidades.

Só na próxima 2ª. feira saberemos se o PR se sentiu politicamente ‘obrigado’ a pedir a fiscalização sucessiva. Não quererá ‘perder a face’ (como aconteceu perante o OE 2012) mas a acreditar na opinião de um seu conselheiro (Marques Mendes) link poderá optar por assobiar para o lado, porque desde há muito alienou a confiança institucional tradicionalmente depositada pelos portugueses no orgão de soberania que titula. Dispensou-se do exercício um papel de vigilância e de exercer as funções de árbito constitucional. Não é um garante de coisa alguma. Enredou pela paradoxal inversão de uma popular máxima. Para Cavaco Silva ‘mais vale remediar do que prevenir”. É este o seu peculiar ‘bom senso'!

Enfim, quando se juntam no mesmo órgão factores tão perniciosos como a inutilidade, a irresponsabilidade e o irrealismo, estamos perante a ‘troika da troika’. ‘Entroikados' ao quadrado.



Comentários

Marques Mendes tem acesso prévio às decisões do PR e do PM.
e-pá! disse…
De facto, o discurso de Ano Novo do PR atingiu as raias do inimaginável. Colocou-se (colou-se definitivamente) à margem do processo democrático em curso que, como sentimos, está a ser diariamente confrontado com as dificuldades de execução do programa de assistência financeira.
Cavaco Silva aceitou ser uma caixa de ressonância do Governo. Trata-se de uma ‘rendição’ que terá elevados custos para o regime democrático. O pior que nos poderia acontecer, sucedeu: os portugueses ‘perderam’ o órgão político que tem por missão velar pelo bom funcionamento das instituições e garantir a normalidade constitucional.
A normal relação entre os poderes desfez-se. O País entrou numa deriva política e constitucional perigosíssima. Pior é difícil.

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