A Ucrânia e a última ‘cartada’ de Dmytro Yarosh...
A UE, através dos seus ‘representantes’ (Durão Barroso, Von Rumpoy e Ashton), apressou-se a festejar a ‘revolta de Kiev’ sem ter o cuidado prévio de tentar percebê-la nas suas complexas dimensões.
Bruxelas adiantou-se a caucionar mudanças políticas - a reboque de interesses estratégicos não clarificados – que neste momento rumam ao desconhecido. Antes que a situação tivesse possibilidades de se clarificar [os líderes europeus] decidiram avançar e despejar dinheiro dos cidadãos europeus link no apoio a uma indefinida alteração geo-política na fronteira oriental da Europa. Entrámos de ânimo leve num perigoso jogo de ‘roleta russa’ (passe a ironia do momento).
Convém esclarecer de antemão que a queda de Viktor Yanukovich, um político oriundo do partido comunista que mais tarde haveria de ser o dirigente máximo do ‘Partido das Regiões’, uma agremiação política sem carga ideológica definida, reclamando em público um posicionamento centrista, dominado por oligarcas da zona Leste da Ucrânia (e acima de tudo leal aos interesses de Rinat Akhmetov o homem mais rico da Ucrânia) e que enveredou por adoptar um comportamento errático e de balanceio (entre a UE e a Rússia), 'aconteceu', sem escandalizar a Europa.
Viktor Yanukovich enriqueceu escandalosamente à custa de ‘jogos de poder’ e de conluios com grupos económicos sediados essencialmente na zona leste da Ucrânia (russófona) e, na prática, só no campo da corrupção, no favorecimento e do compadrio o ex-presidente mostrou ter uma actuação concertada e permanente. A derradeira jogada entre a UE e a Rússia correu-lhe mal e o resultado está à vista.
O oportunismo político de Yanukovich acabou por enfraquecê-lo e, mais tarde, isolá-lo internamente e, como foi visível, na UE, a sua queda não causou qualquer tipo de ‘comoção’. Antes pelo contrário. O desfecho da ‘insurreição de Kiev’ foi entendido como a possibilidade de pôr fim a uma já indisfarçável ‘deriva russófila’ substituindo-a por uma ‘aproximação europeísta’ capitaneada por Yulia Tymoshenko, líder do partido Pátria (de ideologia liberal-conservadora, populista e pró-europeia) que sempre foi apoiada pela UE (encaixa-se bem no PPE).
Mas as coisas não serão tão simples já que a ‘insurreição de Kiev’ está longe de ser uma simples refrega política de base popular com possibilidade de ser aproveitada pelos partidos conservadores (pró-europeus). Na verdade, no seu mais profundo e vernáculo estilo, tratou-se de uma ‘revolução nacionalista’ e, enquanto tal, um acontecimento político carregado de demasiadas e profundas contradições para passar em claro sem despertar suspeitas. A rejeição de um ‘enfeudamento’ à Rússia não significa a vontade clara e determinada de estreitar relações com a UE.
Para ter esta noção – e os dirigentes europeus deviam tê-la - é preciso tomar em consideração o carácter, tradicionalmente xenófobo, dos ‘pronunciamentos‘ nacionalistas. Basta fazer um rápido percurso pela Europa e olhar para alguna exemplos como o ‘Partido da Liberdade’ dos Países Baixos, o Partido Austríaco da Liberdade, a Liga do Norte de Itália, a Frente Nacional em França), etc., e tirar as devidas ilações. O nacionalismo, melhor dizendo, o ‘nacional-populismo’, nomeadamente os que estão impregnados por componentes étnicos, tendem a cultivar e a aplicar atitudes (políticas, sociais e culturais) xenófobas.
A aposta da UE em Yulia Tymoshenko é demasiado leviana e evidente podendo, no futuro, hipotecar a posição europeia, sem ter capacidade de influenciar o curso dos acontecimentos. Foi escandalosa maneira como a Comissão Europeia recebeu, em Bruxelas, o primeiro-ministro interino da República da Ucrânia, Arseny Yatsenyuk. 'Interino' significa para consumo interno. Por outro lado, Barroso sabe em que circunstâncias concretas o actual governo da Ucrânia foi empossado e deveria adoptar uma posição mais prudente e cautelosa.
Na realidade, a situação na Ucrânia continua a evoluir com uma poderosa mas incontrolada dinâmica e, neste momento, a apresentação oficial da candidatura de Dmytro Yarosh (na imagem junto a um brigadista) à presidência, deve fazer a Europa parar para pensar. Tratando-se do líder do ‘Sector Direita’ [Pravy Sektor] link, uma milícia armada que desempenhou um papel relevante na queda de Yanukovich e, portanto, apta para capitalizar eleitoralmente os ‘louros revolucionários’, facto que per si deveria ‘arrefecer’ alguns ânimos exaltados de ‘expansão orientalista’ que parecem infestar os gabinetes de Bruxelas e introduzir alguma contenção e realismo na análise estratégica da situação na Europa Oriental. Porque o previsível passo que se segue será a transformação das 'milícias populares’ que integram o ‘Sector Direita’ num partido político. Uma eventual aliança eleitoral entre este novo partido (militarizado?) com o já existente 'Svoboda’ (Liberdade), liderado por Oleh Tyahnybok e participante da ‘Aliança dos Movimentos Nacionais Europeus’ (uma associação política de cariz neonazi), poderá condicionar os resultados das presidenciais de Maio próximo.
Em caso de sucesso eleitoral desta 'frente nacionalista' – e os ‘ventos revolucionários’ parecem soprar a favor - a distância entre esta possível evolução e a instauração de uma 'ditadura nacionalista’ é curta.
Em caso de sucesso eleitoral desta 'frente nacionalista' – e os ‘ventos revolucionários’ parecem soprar a favor - a distância entre esta possível evolução e a instauração de uma 'ditadura nacionalista’ é curta.
Finalmente, interessa saber como a Europa poderá lidar com um regime nacionalista em franco deslizamento para uma ditadura que, eventualmente, se instale em Kiev.
Uma coisa é certa: a Rússia não terá constrangimentos quanto a ‘isso’.
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