O intervalo referendário da Crimeia...
Hoje, na Crimeia, está em curso um referendo para a população residente pronunciar-se sobre um eventual regresso deste território do sul da Ucrânia (com um percurso histórico atribulado) à Federação da Rússia link.
Trata-se de uma manobra política de ‘fachada democrática’ – cuja legitimidade é contestada abertamente pelo Ocidente - que sendo patrocinada por Moscovo, pretende adiar, por algum tempo, uma grave crise na definição das fronteiras orientais da Europa .
Ao mesmo tempo este ‘compasso de espera’, deverá proporcionar a consolidação de um novo eixo estratégico (geo-político, energético e acima de tudo económico) visando a criação e desenvolvimento de um influente e vastíssimo ‘mercado euro-asático’, onde a Rússia terá necessariamente um papel central e cuja efectivação é deveras preocupante para a UE e fatal para a hegemonia dos EUA.
O Ocidente tem desvalorizado a leitura de uma potência emergente (China) sobre a 'crise ucraniana' que, no quadro de mundialização em curso (é aí que nos encontramos e não no meio de uma ‘guerra fria’), decidiu abster-se no Conselho de Segurança da ONU link, abrindo um 'espaço' vital a Putin. Recusando alinhar com a diplomacia ocidental - que pretendia liminarmente invalidar o referendo - deu um inequívoco sinal que não deixará de influenciar o curso dos acontecimentos.
A posição europeia quando à crise ucraniana, embora permaneça formalmente alinhada com os EEUU, parece ter entrado na ‘fase descompressiva’.
Uma visão realista do peso político da UE mostra, em relação à crise ucraniana, as primeiras fragilidades.
As sanções económicas contra a Rússia parecem não colher a simpatia dos alemães link o que condiciona a via político-diplomática em aberto. No campo político continuará – por algum tempo - a existir um ensurdecedor ‘ruído de fundo’ link.
Na verdade, a Alemanha está confrontada com uma dupla condição (contradição). Por um lado, no campo energético depende (estrategicamente?) da importação de gás e petróleo russos e, por outro, tem vindo a investir (no mercado russo) de modo exponencial no domínio da metalurgia, dos produtos químicos, da maquinaria, dos veículos, da fabricação de alimentos, etc..
Muito embora o volume de importações europeias (Europa dos 28) referentas a produtos oriundos da Rússia seja diminuto (1% do PIB europeu) as exportações são significativas (15% do PIB europeu) link. E como sabemos as sanções têm sempre um ‘efeito de reciprocidade’, que começam no campo político e se concretizam na vertente fiscal e aduaneira (medidas proteccionistas).
Uma ‘guerra comercial’ entre a Europa e a Rússia tem obviamente profundas consequências na economia russa. Esta será abruptamente empurrada para uma aceleração da sua expansão para Oriente (um velho ‘projecto’ estratégico de Putin) mas, por outro lado, há o reverso da medalha. Na realidade, estas medidas (sanções económicas) demonstram uma forte potencialidade de atirar a frágil economia europeia para um novo ciclo recessivo.
Segundo estimativas de organismos financeiros internacionais essas medidas poderão fazer o PIB europeu decrescer 1,5%, uma ‘queda’ acima do limiar de crescimento na UE entre 2003-2012 (a taxa média de crescimento foi de 1,2%) link . Uma dos indícios destas preocupações tem sido a evolução negativa das principais bolsas europeias neste período ‘pré-referendo’ link.
Sendo assim e dadas as ‘características práticas’ (pragmáticas) da política europeia que gravitam à volta de Berlim, os recentes problemas da Ucrânia, bem como os actos de força na Crimeia (militares e referendários) indiciam que a sua resolução será ditada na mesa de negociações multilaterais reguladas (condicionadas) por interesses político-económicos (neste momento em pormenorizada inventariação e análise).
Nada de novo em relação ao passado mas, nos dias que correm, estas situações representam ‘jogadas’ diferentes e que tendem a ‘comandar’ a diplomacia. São, por outro lado, perfeitamente contabilizáveis e previsíveis.
Em resumo, não devemos esquecer que a Alemanha foi o berço da ‘realpolitik’ (europeia) que tem influenciado decisivamente as políticas do Norte e do Centro da Europa, desde os (prussianos) tempos de Bismarck…
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