Ano Novo
As comemorações do Ano Novo são uma manifestação dita da ‘civilização ocidental’ que decorrem dos postulados tridentinos corporizados por Gregório XIII que impôs ao Mundo um novo calendário.
A sua adopção não foi imediata e mesmo na Europa observaram-se cadenciadas resistências, por exemplo, naqueles Países onde a Reforma assentou arraiais como é o caso da Prússia (luterana) e ainda depois no (anglicano) Reino Unido.
A própria Revolução Francesa elaborou um ‘calendário republicano’ de base solar onde o ano começava no equinócio do Outono. Durou até à chegada ao poder de Napoleão.
Os países que foram influenciados pelo ‘grande cisma’ (ortodoxos) como a Rússia, a Letónia, a Grécia, etc., só muito mais tarde viriam a adoptá-lo.
No Oriente (China e, até ao final do século XIX, no Japão) estando fora dos ditatks cristãos o Ano Novo é determinado por factos astronómicos (posições do Sol e da Lua) e a sua data é móvel.
Na Índia, onde a influência do hinduísmo é relevante, a data do Ano Novo é variável até dentro das próprias regiões do País.
Já dentro da ancestral influência civilizacional europeia temos o Ano Novo judaico, ou se quisermos hebraico, muito conotado com fantasias e datações do criacionismo (Adão e Eva).
Finalmente, o Ano Novo islâmico que abrange muitos países do Oriente Médio esta directamente relacionado com a Hégira (migração do profeta de Meca para Medina) e rege-se pelos ciclos lunares.
Portanto, o Ano Novo será uma panóplia de comemorações ocorrida em datas díspares muito longe de qualquer coisa que se pretende que tenha um carácter universal.
Os diferentes calendários, e portanto o dia inicial do ciclo anual, bem como o primeiro mês do ano, foram ao longo dos séculos ditames arbitrários arreigados numa profunda influência religiosa. Ainda perdura esse sentido e essas práticas.
Se alguma coisa resta de ligação à vida são as suas relações com os ciclos naturais (solares e/ou lunares).
Quando olhamos para este infindável ‘trânsito’ de convenções, regras e comemorações e tentamos assumir a postura laica o sentido de todas estas celebrações torna-se num imenso vazio e não há nenhuma razão objectiva para festejar, excepto a celebração da Natureza, o que poderá ocorrer em qualquer altura (do ano).
Revejo-me, então, em Carlos Drummond de Andrade quando escreveu um curioso poema que designou:
O ano passado não passou,
continua incessantemente.
Em vão marco novos encontros.
Todos são encontros passados.
As ruas, sempre do ano passado,
e as pessoas, também as mesmas,
com iguais gestos e falas.
O céu tem exatamente
sabidos tons de amanhecer,
de sol pleno, de descambar
como no repetidíssimo ano passado.
Embora sepultos, os mortos do ano passado
sepultam-se todos os dias.
Escuto os medos, conto as libélulas,
mastigo o pão do ano passado.
E será sempre assim daqui por diante.
Não consigo evacuar
o ano passado.
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