Na ressaca das ‘Primaveras Árabes’…
O grande erro das denominadas 'Primaveras Árabes' é reconhecível à vista desarmada e reside um ponto essencial: o fim de regime autoritários no Médio-Oriente parecia, à primeira vista, o arranque de um processo de democratização dessa região.
O que começou na Tunísia com a deposição de Ben Ali, logo seguido no Egipto com a queda de Mubarak, na Líbia com Kaddafi, no Iémen com Saleh e agora na Síria com Al Assad teve efeitos devastadores na configuração política e institucional destes países.
Estas alterações de personagens (e não de regimes) foram abusivamente conotadas como movimentos sociais espontâneos, oriundas de uma sociedade civil anacrónica nadando na miséria, que tinha encontrado novos meios de mobilização (Internet, redes sociais, etc.) e acção política fora dos habituais e patriarcais 'tutores' (religiosos ou tribais). Menosprezou-se o facto de todos estes países terem como denominador comum um forte substrato religioso, o islamismo, altamente condicionalmente do comportamento social e político.
E antes de tudo esta aragem primaveril existe a questão do Iraque que levou ao derrube pela força militar de Sadam Hussein e cujas origens próximas remontam na resposta bélica (ocidental) ao massacre do 11 de Setembro num géneros de 'retaliação imperial'.
Difundiu-se a ideia de que os movimentos sociais nestas regiões tinham por objectivo conduzir a mudanças políticas profundas levianamente confundidas como esforços de democratização em curso.
Alguns comentadores sublinham uma histórica similitude entre a chamada ‘Primavera Árabe’ com o que sucedeu, na Europa nas revoluções ocorridas em 1848. A então designada ‘Primavera dos Povos’ eclodiu por toda a Europa (França, Alemanha, Polónia, Itália e Áustria,…) e tinha bases políticas, sociais e económicas em tudo semelhantes à situação do Norte de Africa e Médio Oriente de hoje.
Os povos que então sustentaram essas revoluções foram, a breve trecho, dominados por uma burguesia nascente e poderosa saldando-se as conquistas no fim do absolutismo régio e conquistas políticas e sociais como o direito de voto (sufrágio universal) e ténues alterações do campo social e laboral (de acordo com a era industrial que se aproximava) e viriam a condicionar a política social europeia para futuro.
Mas será também desta 'primavera europeia' que nascerá uma importante definição de trincheiras (separação de águas) nos campos sociais e políticos e que vai, dai aí para frente, opor os interesses da burguesia e do proletariado.
Os movimentos político-sociais na Europa vão beber neste contexto revolucionário e é aqui que nasce uma trilogia que chegou aos tempos contemporâneos: o liberalismo, o nacionalismo e o socialismo.
A história da Europa moderna, rica, conturbada, diversificada e progressiva ('civilizada') vai ser determinada durante o século XIX e XX por estes sobressaltos revolucionários. Mas esta viagem comparativa é sempre recheada de armadilhas interpretativas e não deverá ser a única chave para a compreensão das `Primaveras Árabes’ do século XXI.
As ‘Primaveras Árabes’ ao fim e ao cabo vieram reforçar o poder a e a influência de algumas (e o algumas é fundamental) monarquias absolutistas e de oligarquias financeiras que dominam alguns países da região. Depois, os EUA, o grande protagonista mundial (estamos na era global) não logrou reforçar a sua posição dominante nesta área - tanto política como económica - sendo perceptíveis os desgastes e perda de influência pelos conflitos locais e regionais que não foi capaz de administrar e resolver. Em contrapartida propocionou a introdução e, pior, a exaltação de uma componente religiosa entre islamitas lançando a facção sunita contra a xiita transferindo o protagonismo a dois países da região: Arábia Saudita e Irão.
Neste momento as grandes potências mundiais (e não só os EUA) estão empenhadas em redesenhar o velho e planificado ‘mapa mundi’, saído da II Guerra Mundial, onde plantaram países como a Síria, Iraque, Israel, Turquia, etc. num acordo que a Primavera Árabe inevitavelmente pretendeu revogar. Claro que estes reequilíbrios geopolíticos e estratégicos têm fortíssimas motivações económicas por detrás em que as questões energéticas, nomeadamente o petróleo, jogam um papel crucial.
Resta saber, finalmente, em que medida uma outra ruptura ocorrida nos final do século XX – o desmembramento da União Soviética – influenciou as actuais posições estratégicas e o despoletar das ‘Primaveras Árabes’.
Esta poderá ser causa próxima do estado confusional (e não só confessional) que, a par da disseminação do terrorismo (as revoluções têm sempre um período de Terror mais ou menos de índole robesperriana), está num turbulento desenvolvimento e ameaça continuar a perturbar a Pax Mundi (porque sobre a Pax Americana já demos).
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