O Papa e a abolição da pena de morte


A pena de morte, execrável e irreversível crueldade, que subsiste, mesmo em países ditos civilizados, é uma ofensa à civilização e ao humanismo que é seu apanágio.

Parece que o número expressivo de inocentes, não faz tremer a mão de quem condena e de quem assina a autorização das execuções. Há tradições que se perdem no tempo e se conservam com sádica vigilância dos povos que não renunciam à violência.

A tradição permanece em vários países e a humanização das penas continua à espera de legisladores corajosos e da educação cívica para erradicar a crueldade.

A pulsão assassina está inscrita no código genético das populações tribais e no desejo de vingança que habita populações que não evoluem. As religiões são, aliás, um veículo da violência através do culto dos valores tribais em que nasceram.

É por isso que o pedido de abolição da pena de morte pelo Papa Francisco, ao arrepio da sua própria Igreja, assume particular relevância e deve ser saudada.

É um ato corajoso que rompe com a tradição e redime valores bárbaros que as religiões perpetuam. Sendo uma voz com influência nos crentes do seu Deus é de crer que países como o EUA possam romper com tão bárbara tradição de que raros dos seus Estados se emanciparam.

É pena que os dignitários islâmicos, os bispos do protestantismo evangélico e os rabinos dos judeus das trancinhas não sigam o exemplo do Papa católico, mas todas as grandes caminhadas começam com pequenos passos.

Comentários

Jaime Santos disse…
Eu, que não sou crente, não acho que exista nenhuma razão para não recorrer à pena de morte para certo tipo de crimes, que não os de delito comum, claro, exceto porventura o argumento de Hugo de que a pena capital requer um juiz infalível, algo que nenhum ser humano pode assegurar (qualquer sentença deve ser suscetível de revisão na presença de provas exoneratórias). Mas eu teria enforcado Hitler ou Eichmann (e este último pela mesma razão que Hannah Arendt elenca no final do seu belo livro). Creio que é a conclusão lógica do facto de aceitar que em certas situações é legítimo sacrificar a vida de pessoas inocentes, como dano colateral de ataques militares ou quando se pega em armas contra um tirano. Curiosamente, embora a ICAR admita estes sacrifícios, proíbe a IVG, que implica o sacrifício de uma entidade que sendo vida humana, não é claramente ainda uma pessoa. Excluo o uso da pena de morte em crimes de delito comum dado o carácter de castigo cruel, mas creio que para punir crimes de guerra ou de genocídio, a sua capacidade de estabelecer um exemplo ultrapassa a questão da crueldade do castigo...
Jaime Santos:

Apesar da «banalização do mal» sou ideologicamente contra a pena de morte. Para além de razões de ordem filosófica e da prova de que não tem efeito dissuasor, bastaria um erro judiciário para me opor a uma punição irreversível.
Jaime Santos disse…
Caro Carlos, Também não acredito no efeito dissuasor da pena de morte e, além do seu carácter de castigo cruel, existe, como diz, o perigo do erro judiciário irreversível. Agora, não atribuindo eu à vida humana um carácter transcendente, julgo que em situações de crimes extremos onde exista prova material ou testemunhal plena, como no caso de Eichmann, eu não hesitaria em defender a aplicação dessa pena. A presença entre os vivos de um ser tão desprezível era uma ofensa aos sobreviventes e à memória dos mortos. Se as circunstâncias em que o julgamento ocorreu levantam dúvidas sobre a sua legalidade, que a própria Arendt aliás colocou, a pena aplicada não me repugna nada (foi, creio, a única vez que Israel aplicou a pena de morte).

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