A UE e a ‘questão catalã’…
A maneira como a União Europeia está a olhar para a ‘questão catalã’ é deveras sintomática da incapacidade de construir uma estratégia comum e atinge frontalmente todos os devaneios de coesão (política, económica e social). O silêncio impera entrecortado por mal disfarçados e monossilábicos lamentos que mais não são do que a expressão de transitórios incómodos pelo perturbar da ‘tranquilidade burocrática’ que impera nos gabinetes de Bruxelas.
A União Europeia afirma que só intervirá na questão se tal for solicitado por Mariano Rajoy link.
Este pedido é uma longínqua hipótese já que, numa primeira abordagem, representaria o fracasso do Governo de Madrid.
A ausência de uma mediação europeia é uma incontornável realidade e refugia-se na ‘confortável posição’ de que a questão catalã é um assunto interno de Espanha. Quando a situação extravasar as disputas constitucionais e resvalar para a repressão, invadindo as ruas e carreando aspetos de ‘guerra civil’ embrionária, uma questão tabu para 'Espanha', mas que dia-a-dia se vai intensificando e amanhã poderá ser demasiado tarde.
De facto, a UE nunca esteve confrontada com um referendo unilateral no interior de um Estado membro. Bem, esteve com o ‘referendo escocês’ e saliente-se o seu comportamento não foi muito recomendável – tendo alinhado pela chantagem imperial oriunda de Londres, nomeadamente, quanto à permanência de uma Escócia independente no seio da UE.
E o pior é que a UE nunca lidou bem com as pulsões separatistas – muitas delas violentas - que foram ocorrendo numa Europa com Estados definidos desde o fim da II Guerra Mundial. A queda do muro de Berlim veio mexer nesta ‘tranquilidade’, apressou-se do desmantelamento da ex-União Soviética, na emergência das Repúblicas Bálticas e do Leste (Cáucaso) e acabou por chegar ao Adriático.
Muitos cidadãos europeus, recordando o ‘espectro jugoslavo’, olham a ‘questão catalã’ com redobrada preocupação. Dificilmente se apaga uma nódoa como foi a independência do Kosovo que, a UE, se apressou a reconhecer.
O ‘separatismo’ no seio da do espaço europeu cresce a olhos vistos e não poderá ser escamoteado. Não é um exclusivo da Catalunha. Na Espanha não tardará a surgir no País Basco (e eventualmente noutras ‘comunidades autónomas’), na Grã-Bretanha o problema escocês está dormente mas morde os calcanhares de Londres, a Córsega incomoda Paris, o norte de Itália (Turim e Tirol) ameaçam Roma, etc. .
Ah! Não esquecer que nas barbas dos burocratas de Bruxelas desenrola-se a ‘questão da Flandres’ onde o separatismo é uma situação 'histórica' e mal resolvida.
Será muito difícil para as instituições europeias lidar com estes problemas. Eles existem, tem primariamente uma raiz económica (sentimentos egoístas na distribuição das riquezas geradas) e uma raiz política nacionalista com muitas 'heterogeneidades identitárias’.
Em teoria seria ‘fácil’ para a UE arrefecer esta crise larvar. Bastaria avançar rumo a uma evolução federalista para a União que esvaziaria as aspirações separatistas e independentistas. Todos sabemos que não existe o mínimo de coesão (política e social) capaz sustentar esta evolução federalista e são gigantescos os problemas económico e financeiros que estão por detrás – e pela frente - da União.
Quando a Europa mantem um comprometido silêncio sobre a evolução da questão catalã no momento em que este poderia ser o motivo de uma análise realista do (verdadeiro) ‘Estado da União’, nada mais faz do prosseguir a ‘política de avestruz’ e de sucessivos adiamentos que infestou a Comissão Europeia e o Conselho Europeu, sob a tutelar liderança de Merkel, onde os problemas se resolvem pelo mecanismo de uma prolongada putrefação.
A clique burocrática de Bruxelas transformou-se, para as grandes questões europeias, numa central de compostagem com a agravante de a manager estar de ‘baixa’ temporária (a tratar das eleições nacionais).
Neste momento, os detritos de uma Europa em decomposição estão em avançado (descontrolado) processo de fermentação mas é bom ter a noção de que não se circunscrevem a Barcelona.
A inação europeia - demitindo-se de qualquer tipo de mediação - num momento em que o 'diálogo Madrid / Barcelona' está bloqueado é mais um erro que a Europa acabará por pagar caro.
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