Os incêndios – ruídos e silêncios

Para lá dos diagnósticos, produzidos há muito, e dos remédios sugeridos, muitos deles inexequíveis, há uma resiliência dos incêndios que se torna suspeita.

Reacendem-se os que estavam extintos, deflagram novos, e, por cada aumento de meios e de homens, outros focos aparecem.

Há um problema político, certamente, mas há especialmente um caso de polícia que não pode deter-se na intocabilidade de corporações, por maior prestígio de que gozem e por mais melindre que a devassa provoque.

O país deixou-se capturar por grupos de interesses inacessíveis à averiguação da justiça, à sindicância governamental e ao escrutínio da opinião pública, que dispensa a dúvida e se refugia na indulgência cúmplice.
Há que perguntar se os bombeiros são sempre eficientes, se todas as corporações são um exemplo de solidariedade desinteressada, se os negócios dos incêndios são transparentes e se o Estado tem força suficiente, ou o país lha permite, para averiguar todas as causas e desfazer todas as teias, caso as haja, e, até, se há cumplicidades políticas entre os que ruidosamente os aproveitam e os que silenciosamente os ateiam.

Nos crimes, nos incêndios há certamente crimes, é usual questionar a quem aproveitam. É a partir daí que os peritos, em total liberdade, devem investigar se existem, ou não, os crimes que se afiguram evidentes.


Nos crimes, nos incêndios há certamente crimes, é usual questionar a quem aproveitam. É a partir daí que os peritos, em total liberdade, devem investigar se existem, ou não, os crimes que se afiguram evidentes.
Enquanto refletia, escrevendo, veio-me à memória o caso do comandante de bombeiros de Lamego que, num qualquer governo, foi acusado de usar o helicóptero de combate a incêndios para proporcionar batismos de voo a amigos. Face à denúncia da comunicação social e ao alarme público gerado, o MAI afastou-o logo, mas os bombeiros fizeram uma greve exigindo a reintegração, o que aconteceu, com uma pena simbólica, perante o silêncio que o fim dos fogos e a continuidade dos interesses costumam gerar.

Não mais esqueci o insólito episódio em que a discórdia entre o ministro e os bombeiros foi ganha pelos últimos.

Comentários

e-pá! disse…
A recorrente e cíclica questão dos incêndios está - e provavelmente continuará - envolta num sepulcral silêncio. Os únicos ruídos audíveis são os imediatos encómios à atuação das corporações de bombeiros - mesmo antes de saber o que fizeram ou deixaram de fazer.
Talvez por não conhecer o hinduísmo tenho alguma dificuldade em admitir entre nós o estatuto de 'vaca sagrada'. Mas ultimamente essa bizarra condição de intocabilidade tem assomado aos meus pensamentos.

Creio que a natureza não ateia espontaneamente fogos. Na origem dos fogos estará (?) sempre a 'mão humana', direta (nos incendiários) ou por indireta alteração das 'condições naturais'(por intervenção abusiva, omissão ou negligência).

E relativamente à participação direta muito pouco se sabe das reais motivações dos muitos pirómanos que todos os anos são interrogados. Até aqui não foi possível fazer um diagnóstico preciso que possibilite um manual de prevenção.

Quanto ao assunto de quem pode estar (ou vir) a beneficiar com os fogos florestais uma ponta do véu começou a ser levantada com o tal 'Cartel del Fuego' cuja extensão a Portugal está a ser investigada e por esclarecer.

O grave é o problema ser muito mais vasto. Podemos estar a ver a arvore que oculta a floresta. E o que realmente queremos é zelar e defender são as pessoas e a floresta. Ora essa defesa em minha opinião não passa por uma 'reforma florestal' mas sim por uma 'reforma agro-florestal'. Agora quando se junta à reforma da floresta a questão agrária, surgem as contradições políticas, os velhos anátemas da posse e utilização da terra e o eterno problema da sobrevivência do 'mundo rural'...
Manuel Rocha disse…
O CEsperança até pode ter fundadas razões para as suas suspeitas. Mas não se esqueça que consolidar o "rescaldo" de áreas ardidas cujos perímetros somam as dezenas de kms, é uma tarefa virtualmente impossível. Por isso não me custa muito aceitar a quase inevitabilidade dos reacendimentos.

No mais acho que o ultimo parágrafo do e-pá resume bem a questão, se exceptuarmos a ultima frase. Com efeito não saberia discutir a sobrevivência de um morto. Ora o mundo rural já morreu. Não perceber isso é parte do problema, pois submete a exploração de novos possíveis a uma realidade que já não existe.

Cump.

MRocha

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