Marcelo e o recado das viragens…

Marcelo Rebelo de Sousa, na sua recente visita a Andorra, proferiu comentários contundentes e, aparentemente, enigmáticos, sobre a política doméstica, quebrando (mais uma vez) uma tradição (desculpa?) que nunca foi bem explicada e compreendida.  O PR quando está em representação no exterior - e autorizado para tal - conserva intactas todas as suas competências.
 
Voltando a Andorra, Marcelo disse: “quando viro à direita em Portugal, a direita não nota”…link  .
E acrescentou descendo uma ravina do principado em direção a um lugar de culto: “Agora viramos à direita coisa que eu em Portugal já não faço há algum tempo”. Não resistiu a especificar: “De vez em quanto faço, mas a direita não nota. Quando eu viro à direita em Portugal, a direita está distraída a bater na esquerda, não nota. Em vez de aproveitar, não nota”…
 
Em primeiro lugar, estas declarações têm um determinado contexto e não são uma ‘verborreia frenética’ como se fez crer em Castelo de Vide.
Elas surgem na esteira de declarações de Passos Coelho sobre um solicitado ‘período de tréguas’ à volta dos trágicos incêndios de Pedrogão Grande, solicitado pelo Presidente da República. O líder da Oposição não está disposto a abdicar do aproveitamento político dessa situação e mandou recado ao PR para que vigiasse a promulgação de eventuais medidas eleitoralistas do atual Governo. Desconversam…
 
As picardias entre Belém e o Largo de S. Caetano não esmorecem. Marcelo e Passos Coelho, embora coabitando a mesma área partidária, têm visões distintas da praxis política.
 
Marcelo gosta de nadar (uma lúdica actividade que pratica) em águas profundas e aproveitar todos os momentos (políticos e sociais) para se afirmar junto dos cidadãos e insinuar-se na construção de amplos consensos convicto que a direita, no futuro, virá a beneficiar deles.
 
Passos Coelho vive ressabiado com os cidadãos, desvaloriza os problemas sociais, considera as pessoas um mero (e pesado) encargo orçamental e aceita desempenhar o penoso papel de capataz dos mercados.
 
E as posições sobre os incêndios de Pedrogão Grande revelam esta dicotomia.
Marcelo julga que os incêndios devem ser uma oportunidade para a direita se afirmar no terreno social e humanitário.
Passos Coelho, acossado na liderança partidária, quer a todo o custo - e imediatamente - tirar dividendos dos erros (que os houve) e assim conseguir relançar-se na corrida ao poder.
 
Marcelo entende que uma postura reservada e contida sobre as trágicas consequências dos incêndios acaba por beneficiar no médio prazo a direita e Passos Coelho não está disponível para isso com receio de essa situação se transformar numa ‘oportunidade perdida’.
É uma questão estratégica: fazer política a curto ou médio prazo.
 
O percurso de Marcelo que passa por um arrastado período de homilias dominicais, dando uma no cravo outra na ferradura, intervenções sempre balizadas por uma postura conservadora, acabou por guindá-lo à Presidência da República (contra a vontade de Passos Coelho).
Foi uma paciente caminhada depois dos desaires da candidatura à Câmara de Lisboa e uma tumultuosa e meteórica presidência do seu partido. Aprendeu com os erros.
 
Passos Coelho não se conforma com os resultados que a actual solução de governo trouxe ao País e dedica-se a anunciar apocalípticas desgraças.
 
Por detrás disto está também uma questão cultural.
Marcelo nasce para a política no berço, vindo das entranhas do Estado Novo, percorrendo um sinuoso e ‘apadrinhado’ trajecto ondulante entre o conservadorismo, a democracia-cristã e um liberalismo soft, à margem de enredos económicos e financeiros comprometedores, cultivando uma imagem de idoneidade intelectual e académica (‘professoral’) e sempre se sentiu predestinado para liderar, qualquer que fosse o regime vigente no País. Hoje, preside ao Estado mas não consegue dominar os apetites de liderança.
 
Em contraponto, Passos Coelho é um típico ‘produto jotinha’, possuído de uma falsa precocidade, culturalmente enviesado que cedo se enredou nas promíscuas manigâncias do mundo empresarial, subsidiário dos baronatos partidários tendo, em consequência, escorregado para o terreno (ultra)liberal.  Passos Coelho sempre se revelou como incapaz de exibir um pensamento político autónomo e claro, cultivando um tosco disfarce ‘social-democrata’ que não lhe assenta na pele, mais parecendo um títere de ‘outros interesses’ do que propriamente um líder. Por outro lado, sempre suscitou reservas sobre a sua bagagem cívica e envergadura cultural.
 
Mas, em Andorra, Marcelo Rebelo de Sousa, lançou também um recado a Cavaco Silva um dos novos esteios de Passos Coelho.
Quando o ex-PR vai a Castelo de Vide anunciar o ‘fim das ideologias’ - e é aplaudido por Passos Coelho – Marcelo vem confirmar a importância e amplitude do espectro ideológico (clássico), reafirmando a dicotomia Esquerda/Direita que, desde a Revolução Francesa, tem separado as águas.
A realidade não está prisioneira de qualquer redil ideológico, mas já apreendemos – e Marcelo tem consciência disso - que só é possível modificá-la através das ideologias. Não existem divinos determinismos.
 
A 'lição de Andorra' não abona sobre a capacidade de absorção e compreensão política da clique de Passos Coelho no PSD. Marcelo não lhe chamou 'burro', mas pouco faltou.

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