Associação Ateísta Portuguesa


Assunto: A canonização de Nuno Álvares Pereira


COMUNICADO

À Comunicação Social

A Associação Ateísta Portuguesa (AAP) ficou perplexa com a canonização de Nuno Álvares cuja anti-guidade começa a contar a partir de 26 de Abril.

A AAP entende que o prestígio do condestável não se altera com o milagre que lhe foi adjudicado mas Deus podia mais facilmente ter evitado os salpicos de óleo que atingiram o olho esquerdo da D. Gui-lhermina de Jesus, enquanto fritava o peixe, e a consequente «úlcera da córnea, uma coisa gravíssima» – segundo o cardeal Saraiva Martins –, do que ter de a curar para o beato virar santo.

Um vulto histórico, da dimensão de Nuno Álvares, não se engrandece com a cura de uma queimadela ocular quando há tantos amputados a quem o crescimento de uma perna facilitaria a vida e era mais relevante para o seu prestígio.

A AAP duvida da capacidade do guerreiro para actuar como colírio e fica surpreendida por se ter lem-brado dele a D. Guilhermina que, em vez do desabafo habitual, quando um pingo de óleo fervente atinge um olho, recorreu à intercessão de um taumaturgo, sem antecedentes no ramo, para lhe salvar a visão.

Há nesta maratona pia uma sucessão de coincidências suspeitas. Começou pelo facto de a D. Guilhermina ter optado por fritar peixe em vez de assá-lo; perante a dor que se adivinha, em vez de recorrer a uma expressão que não cura, mas alivia, ter pedido a intercessão de quem precisava do milagre para ser promovido a santo; ter dado conhecimento à Igreja católica e estar na presidência da Prefeitura da Causa dos Santos o experimentado pesquisador de milagres e criador de santos, o cardeal Saraiva Martins; finalmente, haver no Vaticano médicos para certificarem a cura do olho e, em Lisboa, devotos à espera do novo santo.

Só quem sabe distinguir a água benta da outra pode rubricar um milagre que, não sendo excepcional, foi o que se arranjou. O patriarca Policarpo preferia que D. Nuno fosse dispensado das provas públicas do milagre mas resignou-se com a exigência papal; o presidente da República já anunciou a sua satis-fação, certamente a título pessoal, e a Pátria, angustiada com a crise, ficou estupefacta.

Os espanhóis que, durante muitos anos, não toleraram a santidade do carrasco que os humilhou nos Atoleiros, em Aljubarrota e em Valverde, têm agora tantos santos que não ligam à elevação de D. Nuno aos altares.

Durante os dois últimos pontificados emergiu um tsunami de santidade que exumou os cemitérios da catolicidade em busca de taumaturgos. O folclore dos milagres é certamente uma forma de propaganda religiosa mas a AAP, temendo estar perante uma burla com a conivência das mais altas instâncias do poder, quer saber:

1 - Quem foram os médicos que comprovaram o milagre;
2 - Qual o critério para o atribuir a D. Nuno;
3 - Que exames mostram o olho esquerdo da D. Guilhermina antes e depois do milagre;
4 - O que pensa a Ordem dos Médicos portuguesa sobre o acto clínico de D. Nuno.

A Associação Ateísta Portuguesa não será cúmplice, com o seu silêncio, da manobra obscurantista em curso e, por isso, a denuncia.

Apela ao espírito crítico dos portugueses para não crerem em afirmações sem provas e não confundirem a superstição com a realidade.

Recorre ainda à comunicação social para prevenir os simples da manipulação, acautelar os frágeis contra a crença de que as dificuldades se resolvem com milagres e advertir os compatriotas de que as soluções se procuram com quem está vivo e não com quem é defunto há séculos.

Associação Ateísta Portuguesa – Odivelas, 24 de Fevereiro de 2009

Comentários

e-pá! disse…
O Condestável era uma espécie de chefe de estado maior dos exercitos do rei, portanto, um equivalente a um general (assim de ** ou ***)
Bem podia ser promovido, segundo a tradição militar, de beato a santo, por antiguidade...
Agora, a história do peixe frito ... é demasiado forçada (mesmo para o meio castrense).

Bem, a não ser que os "fish and chips" tenham vindo no dote de D. Filipa de Lencastre e, uns séculos depois, por um erro técnico, criaram um "santo"?

Depois, desta introdução satírica, espero que o Estado não leve esta farsa a peito e organize um festim com honras militares e os chefes apareçam de braço dado com os carmelitas...
Porque, de facto, o Convento do Carmo não é um lugar de bons augúrios (políticos ou militares)!

Quanto à Ordem dos Médicos, para a AAP o melhor é não meter o Dr. Pedro Nunes em sarilhos. Está agora muito ocupado com o Congresso Nacional de Medicina. E, se o envolvem neste imbróglio, terá de ouvir o Colégio da Especialidade, o Conselho Nacional, a Comissão de Ética, etc.

Mas, há uma virtude nesta rábula! Só hoje percebi a razão pela qual aquele programa especial de intervenções cirúrgicas às cataratas (que decorreu com êxito) ficou conhecido pela sigla PIO[*]

[*]plano de intervenção oftalmológico.
Mano 69 disse…
«(...) prevenir os simples da manipulação,»
Isso era antigamente (os manipulados), agora é tudo feito em série.

(...)acautelar os frágeis contra a crença de que as dificuldades se resolvem com milagres(...)»
A carne é fraca mas o espírito é forte, só a verdade liberta!

(...) e advertir os compatriotas de que as soluções se procuram com quem está vivo e não com quem é defunto há séculos.»
Portugueses e portuguesas há que arejar consciências, pugnando pela mudança do paradigma que nos formata em seres bio-psico-sociais.

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