Um folhetim picaresco… ou uma novela de cordel?


Nos últimos tempos, Cavaco Silva, quis mostrar-se apostado em não perturbar, nem interferir, na campanha eleitoral para as Legislativas.
Desígnio que - estando de acordo com a sua função presidencial - não conseguiu assegurar, nem cumprir. Estava empenhado noutros projectos...

É evidente que, para as forças políticas envolvidas na disputa eleitoral, existem fortes indícios que uma inopinada, silenciosa e ardilosa intervenção – directa ou indirecta – vem interferindo desde há largos meses (17 meses?).
Essa intervenção perturbou - e continuará a perturbar - o seu papel equitativo, harmonizador e de equilíbrio, do processo eleitoral.
Perdidos estes denominadores comuns de justiça eleitoral, as suas atitudes ou as fugas à assumpção das devidas consequências – sabemos agora claramente – favoreceram algumas forças, em prejuízo de outras...

A Presidência da República tem, como instrumentos de informação, de apoio e de estudo, um conjunto de assessores, para além de uma Casa Civil e Militar.
Este staff – não tão limitado como poderemos julgar – serve para aconselhar o PR nas decisões que no exercício do seu cargo tem de tomar.
Nunca poderá ser colocado ao serviço de interesses pessoais do próprio presidente, nem sustentar derivas persecutórias que envolvam – sem consistência – os Serviços de Informação da República, o Governo ou qualquer outro órgão de soberania.

O Presidente tem ao seu dispor mecanismos institucionais como o Conselho de Fiscalização do SIRP e a Comissão de Fiscalização de Dados do SIRP, a que pode recorrer sem ferir o princípio da separação de poderes. Escolheu outras vias. Preferiu, servindo-se de um assessor que o servia há largas dezenas de anos, contactar um órgão de comunicação social para, em seu nome, fornecer ao jornalista matéria informe e não qualificada, que levantasse “o escândalo”, longe de Belém.
Uma conspiração, no escuro. Bem, não foi no escuro mas num recôndito café de uma esconsa rua lisboeta ao abrigo de olhares indiscretos.

Mais tarde, para nosso espanto, surge o compilado (na PR?) dossier sobre Rui Paulo da Silva Figueiredo, o tal funcionário do MAI, que teria acompanhou Cavaco e Silva numa das suas deslocações à Madeira.
A pergunta que se impõe é a seguinte:
- possuiu a PR de uma réplica dos Serviços de Informações para elaborar autonomamente planos de investigação e de informações sobre pessoas e instituições?
- Tem por hábito fornecer aos jornais dossiers privados (e ilícitos) sobre funcionários do Estado e personalidades?
- Ou, a PR, quando necessita de informações sobre segurança que possam afectar a actividade desse órgão deve solicitá-las ao SIRP.
- Ou, em caso de dúvidas – as dúvidas são legítimas – não deve esclarecê-las junto da Comissão de Fiscalização de Dados do SIRP?
- Quem é o actual depositário desse dossier?

O que se passou hoje foi para Fernado Lima uma retaliação pelo deslize cometido. Mas como sabemos nem sempre os sacrificios acalmam os deuses...
Nada deste imbróglio deveria vir a público. Como tudo acabou por ser do conhecimento público abate-se o visível prevaricador, neste caso, Fernando Lima.
Mas, como todos os indícios levam a crer, a cabeça que congeminou a tortuosa conspiração, continua a poder praticar outros actos atentatórios da dignidade dos cidadãos e prosseguir na prática de abuso de poder e de exorbitação (desvio) de funções.

Ao reflectir sobre esta novela, cujo desenrolar vai demorar e cujo epilogo é imprevisível não posso deixar de olhar para a Constituição da República Portuguesa (2005):
...Artigo 117.º
Estatuto dos titulares de cargos políticos

1. Os titulares de cargos políticos respondem política, civil e criminalmente pelas acções e omissões que pratiquem no exercício das suas funções.
2. A lei dispõe sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades dos titulares de cargos políticos, as consequências do respectivo incumprimento, bem como sobre os respectivos direitos, regalias e imunidades.
3. A lei determina os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, bem como as sanções aplicáveis e os respectivos efeitos, que podem incluir a destituição do cargo ou a perda do mandato.

...
Algo do que aqui está escrito aplica-se ao presente escândalo?
Ou tudo fica imerso em imunidades?

Comentários

Rui Cascao disse…
E-pá:

Relativamente à responsabilidade criminal do PR, prevê o
Artigo 130.º da Constituição da República:

"1. Por crimes praticados no exercício das suas funções, o Presidente da República responde perante o Supremo Tribunal de Justiça.

2. A iniciativa do processo cabe à Assembleia da República, mediante proposta de um quinto e deliberação aprovada por maioria de dois terços dos Deputados em efectividade de funções.

3. A condenação implica a destituição do cargo e a impossibilidade de reeleição.

4. Por crimes estranhos ao exercício das suas funções o Presidente da República responde depois de findo o mandato perante os tribunais comuns."

O que me parece mais espinhoso é se há aqui um crime ou não, podendo-se eventualmente enquadrar os factos nos crimes p. e p. pelo Art. 180º do Código Penal (Difamação) ou 187º (Ofensa a pessoa colectiva).

No entanto, para além de esses crimes pressuporem a queixa- ou no caso do Art. 187º- a participação (não me parece que fosse conveniente ou prudente ao Governo fazê-lo). Para além disso seria extremamente difícil fazer prova em tribunal, ou obter no Parlamento uma maioria de 2/3. Por muito fumo que haja neste caso, parece-me que não haverá fogo suficiente para se equacionar uma eventual responsabilidade criminal.

Este é um caso típico de jogo de bastidores no poder, uma (desastrada) manobra de intoxicação da opinião pública, sendo que neste caso a "bomba" explodiu muito perto do "bombista"... Se calhar deveria contratar o Sir Humphrey Appleby da série Sim Senhor Ministro. Aqui coloca-se essencialmente uma questão de responsabilidade política, que não é por si só, na nossa constituição, sindicável (não está previsto o impeachment). E neste caso, a ser verdadeiro o envolvimento do PR, os eleitores o julgarão... A ver vamos se o sacrifício do cavalo (de Tróia, neste caso) será suficiente.
MFerrer disse…
O Rui Cascão tirou-me as palavras do teclado: É claro que o desastrado bombista andou com a espoleta armada durante tanto tempo que a bomba acabou por explodir no local errado. No DN! Quando todos sabemos que se destinava a S. Bento e ao Largo do Rato!
Mas com rampa de lançamento a partir da Madeira. Parece um daqueles maus filmes com um terrível terrorista que vive numa ilha...a maquinar destruições longínquas!
Lá terão que reiniciar o processo e voltar a reunir com outros assessores, outros jornalistas(?) e, com mais cuidado, tratarem das cartas anónimas e das espoletas melindrosas...
MFerrer
Manel disse…
Ao Dr. Cavaco Silva está a faltar ética política e democrática.
No mínimo, não poderá exercer o cargo de Presidente da República em um segundo mandato.
Rui Cascão:

Peço para transformar o comentário em post. É importante para os nossos leitores, que já são muitos.

Abraço.

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