HISTORIETAS DA CENSURA SALAZARISTA

É sabido que a Censura à imprensa era uma das principais armas da repressão salazarista, tal como a PIDE e a Legião. Mas os censores eram menos ferozes que os membros destas últimas corporações; eram normalmente uns coronéis reformados, que exerciam burocrática e rotineiramente as suas funções, e com quem se podia falar e sobretudo negociar. Se, por exemplo, cortavam um artigo na íntegra, era por vezes possível conseguir autorização para a sua publicação, mediante a supressão de um ou outro parágrafo, a alteração desta ou daquela frase, a modificação do título, etc..
Fazia assim parte das funções normais dos diretores e redatores dos periódicos ir regularmente à comissão de censura para essas negociações.
Ora a Associação Académica de Coimbra publicava uma revista de periodicidade mensal, chamada Via Latina, cujos textos eram, na sua maioria, redigidos por estudantes. Por volta de 1960, era seu redator António Neto Brandão, então estudante de direito e agora advogado em Aveiro, de cujo distrito foi o primeiro Governador Civil depois do 25 de Abril, sendo atualmente mandatário distrital da candidatura de Manuel Alegre.
Como redator da revista, competia-lhe ir à censura regatear a publicação de alguns escritos liminarmente rejeitados.
Uma vez tratava-se, entre outras coisas, de um poema de cariz surrealista que, apesar de não ter qualquer conteúdo político, tinha sido cortado na íntegra.
Neto Brandão lá foi argumentando que não percebia porque é que o poema tinha sido cortado, pois nada tinha a ver com política, nem religião, nem moral.
Mas de nada lhe valeu. A resposta do censor foi perentória: "Em matéria de poesia, as ordens que tenho são estas: o que não perceber, corto!"

Comentários

e-pá! disse…
Uma outra historieta...

Na época salazarista um grupo de teatro universitário de Coimbra pretendia levar à cena uma peça sobre emigração, discriminação e racismo - problemas que tinham a ver com o surto migratório português dos anos 70 - tendo escolhido a peça: "Fulgor e Morte de Joaquín Murieta".
O autor deste texto dramatúrgico é Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto.
Enviada a peça para a Comissão de censura, a mesma foi aprovada com alguns cortes...

Começou o trabalho de encenação e meses depois a direcção do grupo de teatro é chamada a Lisboa. Uma valente reprimenda seguida de ameaças pelo facto de termos alterado o nome do autor da peça.

Na verdade, a peça foi escrita por Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto que desde a adolescência adoptou o pseudónimo de Pablo Neruda...
E como só Pablo Neruda figurava no index...a peça tinha sido "indevidamente" aprovada.
E lá foi mais um projecto de trabalho teatral pela água abaixo...

Os coronéis não entendiam textos dramaturgicos [ou outros]. Lidavam com listagens, palpites, denúncias...

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