Cavaco Silva e os vetos

A alegada postura institucional é o mito urbano sobre o inquilino de Belém, que dispõe ainda de 39 dias na desafortunada travessia dos últimos dez anos.

Não se esperava de quem fez o mais ressabiado e rancoroso discurso de vitória, na sua segunda eleição presidencial, a grandeza de um homem magnânimo ou a cultura de um político ponderado. Tinha provas dadas ao longo de uma carreira política que os acasos da sorte e as cumplicidades duma direita astuciosa tecem. É ocioso recordar agora, neste pungente ocaso, o passado que o diminui. Basta apontar o presente que o avilta.

Quando lhe apontaram a eventual nulidade dos vetos aos diplomas da adoção dos casais do mesmo sexo e aborto, por excederem o prazo constitucional, invocou a tolerância de ponto de 31 de dezembro, regalia que o Governo concedeu aos trabalhadores, e que ele tomou como feriado para o órgão uninominal que representa.

O rancor é um traço do carácter, mas é a incoerência a marca nas decisões que tomou. A lei da IVG, que ora revogou, é a mesma que promulgou em 2007, sem a vetar.

Quem, em 2010, promulgou a lei do casamento de pessoas do mesmo sexo, alegando que ‘não valia a pena vetá-la porque estava garantido que a AR ia aprová-la de novo’, estaria agora convencido de que o Parlamento, à sua semelhança, modificaria a decisão para não o humilhar?

Exerceu o direito de veto, eventualmente ao arrepio da Constituição, de forma inútil e incoerente. Vai ter de promulgar as leis com que se limitou a reiterar o rancor que esta maioria lhe provoca.

A CRP marca-lhe um prazo para estrebuchar.

Comentários

e-pá! disse…
A propósito de tolerâncias (de ponto ou 'outras') assalta-me a convicção que se taxássemos a mediocridade, a hipocrisia e simulação resolveríamos, de uma penada, muitos problemas nacionais: do défice, da dívida, da economia, etc.
O homem da mercantil dialética entre a 'boa e má moeda' acabou por afogar-se numa vegonhosa velhacaria. Sem apelo, nem agravo.

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