A Igreja e os supermercados
Se o dogma é um insulto à inteligência mas uma vitória para a fé, se agride a razão mas purifica a alma, se fecha os caminhos difíceis da ciência mas abre as largas avenidas da salvação, como é possível haver quem o enjeite? – O Governo português não.
Como diria o Eça, estava o Ministério, moderadamente jejuado, razoavelmente confessado e melhor comungado quando piedosamente se pronunciou sobre o horário do comércio, não se dissesse que o liberalismo económico encontrara em Portugal terreno fértil. Privatizaram-se as seguradoras e os bancos, é verdade; condescendeu-se com a liberalização dos combustíveis e da energia; as comunicações e os cimentos entregaram-se aos privados, mas o Estado chamou a si o horário das mercearias.
Nos mares, nas estradas e nos ares circula a iniciativa privada mas respeita-se, na compra do sabão amarelo, o horário das repartições. Não tem horário a gasolina mas têm hora marcada a posta de pescada e o quilo de feijão carrapato.
Andou bem o Governo em proibir às grandes superfícies a abertura de portas ao Domingo. Preferiu a santa missa à venda dos legumes; dificultou a aquisição de frescos mas facilitou a divulgação das homilias; alguns bacalhaus ficaram por vender mas promoveu-se a eucaristia, com hóstias sem código de barras, nem prazo de validade, guardadas sem rede de frio nem inspecção sanitária. Folgam as caixas registadoras nas tardes de Domingo mas agitam-se as bandejas na missa do meio dia.
Contrariamente ao que eu supunha, não houve, porém, festa nas sacristias, não rejubilou o patriarcado, não aconteceu um lausperene. Nem uma missa de acção de graças. Nem uma noveninha. Provavelmente algum padre-nosso rezado na clandestinidade ou uma ave-maria balbuciada por uma beata enquanto resistia à tentação da carne e ao assédio do marido. A própria Conferência Episcopal desistiu da pastoral da mercearia.
Talvez por isso, os supermercados acabaram por abrir ao Domingo.
Como diria o Eça, estava o Ministério, moderadamente jejuado, razoavelmente confessado e melhor comungado quando piedosamente se pronunciou sobre o horário do comércio, não se dissesse que o liberalismo económico encontrara em Portugal terreno fértil. Privatizaram-se as seguradoras e os bancos, é verdade; condescendeu-se com a liberalização dos combustíveis e da energia; as comunicações e os cimentos entregaram-se aos privados, mas o Estado chamou a si o horário das mercearias.
Nos mares, nas estradas e nos ares circula a iniciativa privada mas respeita-se, na compra do sabão amarelo, o horário das repartições. Não tem horário a gasolina mas têm hora marcada a posta de pescada e o quilo de feijão carrapato.
Andou bem o Governo em proibir às grandes superfícies a abertura de portas ao Domingo. Preferiu a santa missa à venda dos legumes; dificultou a aquisição de frescos mas facilitou a divulgação das homilias; alguns bacalhaus ficaram por vender mas promoveu-se a eucaristia, com hóstias sem código de barras, nem prazo de validade, guardadas sem rede de frio nem inspecção sanitária. Folgam as caixas registadoras nas tardes de Domingo mas agitam-se as bandejas na missa do meio dia.
Contrariamente ao que eu supunha, não houve, porém, festa nas sacristias, não rejubilou o patriarcado, não aconteceu um lausperene. Nem uma missa de acção de graças. Nem uma noveninha. Provavelmente algum padre-nosso rezado na clandestinidade ou uma ave-maria balbuciada por uma beata enquanto resistia à tentação da carne e ao assédio do marido. A própria Conferência Episcopal desistiu da pastoral da mercearia.
Talvez por isso, os supermercados acabaram por abrir ao Domingo.
Comentários
gostava de ter escrito esta peça!
Vou guardá-la no frio...
Abraço!
Dito isto, pergunto, será que este tipo de leis aumenta a liberdade?
Ou a imbecil impressão de liberdade?
Será isto liberdade ir ao domingo às 23 horas fazer compras? Ou imbecilidade?
Acho que somos cada vez mais democraticamente imbecis
Não sendo residente, (mas este debate parecendo ser protagonizado pela organização mundial do comércio) sendo o mesmo debate onde resido, a regulamentação deste tipo ainda não tendo atingido por estes lados a do laboratório Português, verifico, com alguma antecedência, quando visito o País, o interesse fundamental de um indivíduo livre de fazer compras ao domingo.
Lamentável liberdade.