O BANQUEIRO ANARQUISTA (*)

Até há não muito tempo os banqueiros e outros magnatas tinham o bom senso de se absterem de vir a público defender os seus obscenos interesses; contentavam-se em encher os bolsos de dinheiro e viver à grande, evitando exibir-se. O próprio ditador Salazar, com a sua esperteza de “Manholas”, lhes impunha um certo recato, para evitar o escândalo público que as suas pornográficas riquezas poderiam provocar. No tempo da ditadura essa gente fez enormes fortunas, mas quase não se ouvia falar dela.

Agora perderam o pudor. Os Ricciardis, os Ulrichs, os Espírito Santos, que há longas décadas vampirizam o povo português, aparecem em todo o lado a perorar, permitindo-se, do alto dos seus milhões, pregar moral a esse mesmo povo e emitir opiniões que, mais não sendo que a defesa dos seus próprios interesses, pretendem fazer passar como boas para salvação do País.

Ontem foi Ulrich, presidente de um Banco que me abstenho de publicitar, que apareceu num programa de televisão e, depois de lavar publicamente uma roupa suja relativa a umas tricas milionárias que tem com um seu rival e concorrente, resolveu brindar-nos com as suas opiniões sobre o momento crítico que a Pátria – não sei se se referia à nossa ou ao Capital – atravessa. Então verberou o Tribunal Constitucional por causa do seu acórdão sobre os subsídios de férias e de Natal, que considerou errado não por razões jurídicas mas por considerações economicistas, como se aquele Tribunal fosse um ministério das finanças ou o conselho de administração de algum banco.

Depois, indo manifestamente além da chinela, o banqueiro pronunciou-se contra o poder de fiscalização preventiva daquele Alto Tribunal sobre normas jurídicas, designadamente as constantes da celerada proposta de Orçamento de Estado que as marionettes nacionais da Sr.ª Merkel apresentaram e se propõem aprovar na Assembleia da República, dizendo que tal poder constituiria uma “ditadura do Tribunal Constitucional”!

Para Ulrich e seus pares, não devia haver Constituição nem tribunais – a não ser para condenar pilha-galinhas e…assaltantes de bancos. Bastavam as “leis do mercado”!

Por quanto tempo teremos de aturar estes senhores? Já que – de momento e infelizmente – não está na ordem do dia prescindir dos “serviços” deles, haja ao menos alguém que lhes diga: comam mas calem-se !


(*) Título “roubado” a uma obra de Fernando Pessoa

Comentários

e-pá! disse…
De facto, todos estes banqueiros e quejandos quando chamados a pronunciar-se sobre a actual crise mundial passam sempre ao lado daquilo que podemos chamar 'a causa das coisas'.
Tendo a actual crise sido despoletada pela ganância do sistema financeiro e por um chorilho de investimentos em lixo de instituições bancárias (os tais 'bancos de investimento'), nunca ouvimos estes senhores - nas frequentes meditações políticas que os trazem aos media - abordar (ou propor) medidas para regular o 'mercado' bancário e bolsista.
Já é tempo de domar (meter na ordem) essa cáfila de administradores do dinheiro que, paulatinamente, se transformaram em 'vacas sagradas'. Na verdade, esses bovinos com um papel fundamental na tradição hindu, no Ocidente (para usar uma terminologia 'consagrada'), são abatidos para consumo.
O senhor Ulrich deveria ter isso presente antes de dar (ou impingir) os seus conselhos...

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