Homenagem ao major-general Augusto José Monteiro Valente
Cidadãos e Cidadãs
Em nome do Movimento Republicano 5 de Outubro (MR5O) de
Coimbra
e
Em nome da Associação 25 de Abril, por solicitação expressa
do seu presidente, Vasco Lourenço, e aqui representada pelos cidadãos Luís
Curado e Amadeu Carvalho Homem, respetivamente vice-presidente da Direção e
presidente da Assembleia-Geral da Delegação Centro, integrada nas Comemorações
do 5 de Outubro, vai prestar-se homenagem
Ao major-general Augusto José Monteiro Valente
Aos 68 anos, ao fim da tarde do dia 3 de setembro, enquanto
o país ardia, o general Monteiro Valente deixou-nos. Partiu mais um capitão de
Abril, um militar que amou a Pátria e honrou a farda, um cidadão que arriscou a
vida para que Portugal tivesse uma democracia.
Fez na Guiné uma comissão onde o PAIGC já dominava o terreno
e tinha superioridade militar. Partiu sem três dos quatro alferes, que
desertaram antes do embarque. O último desertou depois. Aguentou, com os
furriéis e os soldados, o isolamento quebrado pelos reabastecimentos lançados a
grande altura de aviões que evitavam o derrube pela artilharia inimiga. Os
mantimentos e munições nem sempre acertavam no alvo, que era o aquartelamento.
Portou-se com bravura e percebeu aí que
aquela guerra injusta já não tinha saída militar. Adquiriu a sua consciência
política, com mortos para chorar,
feridos para evacuar e vivos para confortar.
Foi dos mais brilhantes militares portugueses e dos mais
empenhados no 25 de Abril. Transferido de Lamego, na sequência do 16 de março, com
o regime receoso do seu prestígio e determinação, conseguiu sublevar o
Regimento da Guarda (RI 12), onde acabara de chegar, prender o comandante, e
marchar para Vilar Formoso a desarmar a Pide e controlar a fronteira ao serviço
do Movimento das Forças Armadas enquanto, do outro lado, a polícia espanhola, nervosa,
temia uma última loucura do genocida Francisco Franco a quem tanto agradaria
fazer abortar a Revolução Portuguesa que, em breve, exportaria a democracia
para lá da fronteira. Fez parte do punhado de heróis que restituíram a Portugal
a dignidade e aos portugueses a liberdade.
Nunca mais deixou de estar na trincheira dos que acima da
vida puseram a defesa da democracia. Licenciou-se em História, graduou-se em
Estudos Europeus, foi o primeiro oficial-general a comandar a Brigada
Territorial 5, em Coimbra, e terminou a carreira militar como 2.º
Comandante-Geral da GNR em 2003, porque
o ministro da Defesa, Paulo Portas, sempre viu nos heróis de Abril os
implicados numa sublevação.
Aliou a intervenção cívica permanente ao contínuo
aperfeiçoamento do saber, com um extremo respeito pela Constituição e pelo
sufrágio popular. Era investigador associado do Centro 25 de Abril e do Centro
de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra. Foi um
excelso militar e um ilustre académico.
Foi membro da Comissão Cívica de Coimbra para as
comemorações do Centenário da República e da atual comissão para defesa do
feriado da data fundadora do regime. Era o presidente da Delegação Centro da
Associação 25 de Abril onde, durante quatro anos tive a honra de ser seu vice-presidente e de
conhecer a dimensão ética, a capacidade de trabalho e a qualidade intelectual
do amigo de quase quarenta anos.
Desdobrou-se em conferências, artigos, tertúlias e palestras
nas escolas onde levou aos alunos os princípios republicanos do amor à Pátria,
à liberdade e à democracia. Recusou sempre o título de herói com o mesmo
desprendimento com que recusou uma promoção por mérito que o Conselho da Arma
lhe atribuiu pela reconhecida competência militar.
Honrou a divisa da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade
e Fraternidade. Deu o exemplo e foi militante da trilogia que continua a ser a
matriz do regime republicano e o lema democrático. Defendeu a laicidade como
imperativo de um Estado moderno e a Igualdade como base da justiça social. Fez tudo
o que pôde e o que devia. Foi para nós, membros do MR5O, um exemplo e o motor
de um projeto de pedagogia cívica que temos a obrigação de prosseguir.
Monteiro Valente era um homem de uma integridade à prova de
bala, com um elevado sentido da honra e do cumprimento do dever, um cidadão
exemplar e um democrata.
O seu discurso da tomada de posse como comandante da Brigada
de Coimbra foi uma lufada de ar fresco que percorreu a GNR. Alguns oficiais
contorciam-se na tribuna e olhavam de soslaio à espera de ver a reprovação das
palavras do seu comandante que preferiu advertir os militares em parada de que
mais importante do que a ordem, que lhes cabia manter, era o respeito pela
Constituição e a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos que
ela consagrava. As autoridades locais primaram pela ausência mas, talvez pela
primeira vez, em Coimbra, no comando da GNR, sob as estrelas de um oficial
general brilhou um cidadão civilista que substituiu a cultura de caserna pela
da cidadania.
Teve, como poucos, a noção de que a democracia só é plena em
regime republicano, onde há cidadãos e não vassalos, onde se exoneram os
poderes hereditários e vitalícios, onde ao alegado direito divino se sobrepõe a
legitimidade do sufrágio popular. Por isso, se insurgiu contra a traição de
quem rasgou do calendário o feriado comemorativo da data que mudou Portugal e foi
a pedra basilar da democracia, ofendendo a cidadania, os heróis da Rotunda e a
história, vilania que nem a ditadura ousou.
Partiu destroçado com o rumo dos acontecimentos políticos,
de mal com o estado a que o País chegou, revoltado com a deriva ultraliberal,
que o amargurava, receoso do futuro da liberdade que ajudou a conquistar.
Portugal e a democracia estão mais pobres. A família e os
amigos ficaram destroçados.
Mas o seu exemplo, os seus valores e a sua generosidade
ficarão como símbolos. Ele foi o melhor de nós e aquele que a História há de
recordar. Quis apenas um ramo de acácia e três cravos vermelhos sobre o caixão,
antes de ser cinza, mas nos nossos corações hão de florir sempre os cravos que
ele plantou e a República que sonhou.
Viva o 5 de Outubro! Viva
o 25 de Abril! Viva Portugal!
(Discurso proferido em Coimbra, às 12H30, junto ao monumento ao 25 de Abril)
Carlos Esperança – Coimbra, 5 de outubro de 2012
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