"CRIMINALIZAÇÃO DO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO"
O PPD e o CDS, beneficiando de um pontual auxílio do BE, do PCP e dos Verdes (estes esporádicos conúbios contra natura têm dado sempre desastrosos resultados) conseguiram fazer aprovar na Assembleia da República um decreto – n.º 37/XII – que criminalizava o “enriquecimento ilícito”.
Esse aberrante decreto nunca chegou a ser Lei, pois o próprio Presidente da República, achando que ele violava a Constituição, requereu a fiscalização preventiva da sua constitucionalidade e o Tribunal Constitucional “chumbou-o” rotundamente.
Mas o que vem a ser o “enriquecimento ilícito”? Para qualquer pessoa de bom senso e boa fé, é o que foi obtido por meios ilícitos (roubo, corrupção, suborno, peculato, tráfico de droga, etc.). Porém esse enriquecimento, como é óbvio, já está criminalizado. Sempre esteve, uma vez que sempre estiveram criminalizados os meios de o obter.
O que os novos “justiceiros” pretendem é uma coisa muito diferente. Com efeito, o decreto chumbado considerava criminoso “quem adquirir, possuir ou detiver património, sem origem lícita determinada, incompatível com os seus rendimentos e bens legítimos”; e apenas considerava legítimos “os rendimentos brutos constantes das declarações apresentadas para efeitos fiscais, ou que delas devessem constar, bem como outros rendimentos e bens com origem lícita determinada”.
O que o decreto não dizia, nem podia dizer sem “descobrir a careca”, era o que significava esta “origem lícita determinada”. Ora, tendo em conta as discussões que houve sobre o assunto e as entrelinhas da argumentação dos tais “justiceiros”, o significado é óbvio: “origem lícita determinada” seria aquela que a Polícia fosse capaz de descobrir.
Suponhamos por exemplo que um cidadão com um salário mensal de 700 euros se passeia num reluzente Mercedes e ostenta outros bens de luxo, que adquiriu porque ganhou uma boa maquia em jogos lícitos; mas, por razões facilmente compreensíveis, não quer que se saiba que a ganhou dessa forma, e está no seu direito. É evidente que o seu “enriquecimento” é lícito, uma vez que é obtido por meios lícitos.
Porém, se o reprovado decreto tivesse entrado em vigor as coisas já não seriam assim. Tudo dependeria da habilidade da Polícia. Se esta conseguisse descobrir a origem do enriquecimento, este seria lícito. Se, até por inépcia, a Polícia não conseguisse descobrir nada, então o mesmo enriquecimento passaria a ser ilícito, por não ter a tal “origem lícita determinada”.
Ora é evidente que isto é absurdo. Mas o que é mais grave é que se trata de uma manobra, felizmente grosseira e eivada de esperteza saloia, por isso facilmente detetável, para violar os mais elementares direitos do Homem: o direito à presunção de inocência e o direito à reserva da vida privada, expressamente proclamados na Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigos 11 e 12), na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigos 6 e 8), na Constituição portuguesa (artigos 8, 26 e 32) e em todas as constituições dos países civilizados.
Do referido princípio da presunção de inocência decorre designadamente que é a acusação que tem o ónus de provar que um cidadão é culpado, e nunca esse cidadão que tem o ónus de provar que está inocente. Ora o que se pretende com a chamada “criminalização do enriquecimento ilícito” é justamente a inversão desse ónus da prova: o Ministério Público não teria de provar que o enriquecimento foi obtido de modo ilícito; bastar-lhe-ia declarar que o enriquecimento não teria a tal “origem lícita determinada”. Então o cidadão assim acusado, para se livrar de ser condenado a uma pena de prisão, é que teria de provar que o seu “enriquecimento” foi obtido por meios lícitos, revelando como o obteve: o tal jogador teria que revelar que jogava, uma senhora de parcos recursos que recebesse prendas caras de um namorado rico que tivesse às ocultas teria de revelar essa relação que, com todo o direito, pretendia manter secreta, etc. E assim seria grosseiramente destruído o referido direito fundamental à reserva da vida privada.
Por detrás de tudo isto esconde-se, como “gato escondido com o rabo de fora”, a pretensão totalitária e orwelliana de que o Estado tem o direito de tudo saber sobre a vida de cada cidadão.
E não se argumente que “quem não deve não teme”. Esse anexim popular não tem qualquer validade jurídica.
É certo que o pretendido regime poderia ajudar bastante o combate à corrupção e a outros crimes congéneres, na medida em que permitiria suprir a incapacidade das polícias para os descobrir. Mas “outros valores mais altos se alevantam”. Há direitos e princípios relativamente aos quais não se pode transigir. E é absolutamente inadmissível que se abra qualquer precedente na violação desses direitos e princípios.
O tal decreto foi pois chumbado e bem chumbado. Não podia ter outro destino.
Esse aberrante decreto nunca chegou a ser Lei, pois o próprio Presidente da República, achando que ele violava a Constituição, requereu a fiscalização preventiva da sua constitucionalidade e o Tribunal Constitucional “chumbou-o” rotundamente.
Mas o que vem a ser o “enriquecimento ilícito”? Para qualquer pessoa de bom senso e boa fé, é o que foi obtido por meios ilícitos (roubo, corrupção, suborno, peculato, tráfico de droga, etc.). Porém esse enriquecimento, como é óbvio, já está criminalizado. Sempre esteve, uma vez que sempre estiveram criminalizados os meios de o obter.
O que os novos “justiceiros” pretendem é uma coisa muito diferente. Com efeito, o decreto chumbado considerava criminoso “quem adquirir, possuir ou detiver património, sem origem lícita determinada, incompatível com os seus rendimentos e bens legítimos”; e apenas considerava legítimos “os rendimentos brutos constantes das declarações apresentadas para efeitos fiscais, ou que delas devessem constar, bem como outros rendimentos e bens com origem lícita determinada”.
O que o decreto não dizia, nem podia dizer sem “descobrir a careca”, era o que significava esta “origem lícita determinada”. Ora, tendo em conta as discussões que houve sobre o assunto e as entrelinhas da argumentação dos tais “justiceiros”, o significado é óbvio: “origem lícita determinada” seria aquela que a Polícia fosse capaz de descobrir.
Suponhamos por exemplo que um cidadão com um salário mensal de 700 euros se passeia num reluzente Mercedes e ostenta outros bens de luxo, que adquiriu porque ganhou uma boa maquia em jogos lícitos; mas, por razões facilmente compreensíveis, não quer que se saiba que a ganhou dessa forma, e está no seu direito. É evidente que o seu “enriquecimento” é lícito, uma vez que é obtido por meios lícitos.
Porém, se o reprovado decreto tivesse entrado em vigor as coisas já não seriam assim. Tudo dependeria da habilidade da Polícia. Se esta conseguisse descobrir a origem do enriquecimento, este seria lícito. Se, até por inépcia, a Polícia não conseguisse descobrir nada, então o mesmo enriquecimento passaria a ser ilícito, por não ter a tal “origem lícita determinada”.
Ora é evidente que isto é absurdo. Mas o que é mais grave é que se trata de uma manobra, felizmente grosseira e eivada de esperteza saloia, por isso facilmente detetável, para violar os mais elementares direitos do Homem: o direito à presunção de inocência e o direito à reserva da vida privada, expressamente proclamados na Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigos 11 e 12), na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigos 6 e 8), na Constituição portuguesa (artigos 8, 26 e 32) e em todas as constituições dos países civilizados.
Do referido princípio da presunção de inocência decorre designadamente que é a acusação que tem o ónus de provar que um cidadão é culpado, e nunca esse cidadão que tem o ónus de provar que está inocente. Ora o que se pretende com a chamada “criminalização do enriquecimento ilícito” é justamente a inversão desse ónus da prova: o Ministério Público não teria de provar que o enriquecimento foi obtido de modo ilícito; bastar-lhe-ia declarar que o enriquecimento não teria a tal “origem lícita determinada”. Então o cidadão assim acusado, para se livrar de ser condenado a uma pena de prisão, é que teria de provar que o seu “enriquecimento” foi obtido por meios lícitos, revelando como o obteve: o tal jogador teria que revelar que jogava, uma senhora de parcos recursos que recebesse prendas caras de um namorado rico que tivesse às ocultas teria de revelar essa relação que, com todo o direito, pretendia manter secreta, etc. E assim seria grosseiramente destruído o referido direito fundamental à reserva da vida privada.
Por detrás de tudo isto esconde-se, como “gato escondido com o rabo de fora”, a pretensão totalitária e orwelliana de que o Estado tem o direito de tudo saber sobre a vida de cada cidadão.
E não se argumente que “quem não deve não teme”. Esse anexim popular não tem qualquer validade jurídica.
É certo que o pretendido regime poderia ajudar bastante o combate à corrupção e a outros crimes congéneres, na medida em que permitiria suprir a incapacidade das polícias para os descobrir. Mas “outros valores mais altos se alevantam”. Há direitos e princípios relativamente aos quais não se pode transigir. E é absolutamente inadmissível que se abra qualquer precedente na violação desses direitos e princípios.
O tal decreto foi pois chumbado e bem chumbado. Não podia ter outro destino.
Comentários
Trata-se de um exercício pedagógico. É a democracia que se defende e o direito que se reclama.
Obrigado, AHP.
Deixo aqui um comentário feito no Movimento Republicano 5 de Outubro (MR5O) por um colega seu:
Jorge Antunes Subscrevo na totalidade, o escrito do Senhor Dr. Horta Pinto, aliás figura que me habituei a respeitar e a ter como exemplo quando cheguei á profissão, e por quem tenho consideração e amizade. Mas tal não me turba a objectividade, e é nessa concomitância, que peço vénia para subscrever o comentário do Dr. Horta Pinto.
Embora lhe tenha enviado um mail pessoal, não podia deixar de fazer também aqui esta referência.