Isabel Jonet prefere "caridade" a "solidariedade"
Se dois machos castos, Salazar e Cerejeira, amigos do peito
e da hóstia, pudessem ter procriado, babar-se-iam de gozo se tivessem uma filha
como Isabel Jonet.
O primeiro vestia-se de homem e era um tirano de botas e chapéu,
o outro usava trajes femininos e cobria-se com a mitra. Ambos viam em Mussolini
o defensor da civilização cristã e ocidental. Salazar tinha na secretária a
foto do «enviado da Providência», epíteto usado pelo Papa de turno, após os acordos
de Latrão que obrigaram o Estado italiano a ensinar, nas escolas, a única
religião verdadeira e concederam ao Vaticano – um bairro de 44 hectares – o
estatuto de Estado; o segundo, conhecido por cardeal Cerejeira, tinha a
escultura do patrão no altar e no patriarcado e Salazar no coração.
Para os dois dirigentes e mentores do Centro Académico da
Democracia Cristã (CADC) a guerra colonial era uma cruzada na defesa dos
valores cristãos e ocidentais, sem nunca terem definido o meridiano que
separava o leste do ocidente. Mais do que a criada que ambos partilharam (no
estrito sentido patronal), unia-os a desconfiança no progresso e a crença nas
virtudes da pobreza e da fé. Salazar ficou com a criada e o Governo e o outro
conseguiu a mitra, o báculo e o anelão. Eram fascistas vindos do seminário,
manhosos e cheios de ambição. Salazar era um rural e conquistou o poder para
nunca mais o largar. Cerejeira era o príncipe da Igreja, aristocrata e mestre
dos silêncios. Calou-se perante o exílio do bispo do Porto e nunca deixou de
ser cúmplice da ditadura. Um deteve o poder absoluto na política, o outro
conquistou-o na religião e ambos foram algozes vitalícios.
Ambos acreditavam na virtude da ignorância e da pobreza cuja
apologia faziam com a refinada coerência dos reacionários. As perseguições por
delitos de opinião ou heresias eram legitimadas pela vontade divina e pela
maldade dos dois. Um tinha a PIDE ao seu serviço e o outro um exército de
bispos, cónegos, padres, monsenhores e catequistas.
Nenhum deles soube o que era a justiça social ou a
solidariedade. A primeira cheirava a comunismo e a segunda era suspeita. Os
dois afinavam pelo mesmo diapasão: era Deus que definia previamente quem devia
ser rico ou pobre, quem devia mandar e quem era obrigado a obedecer. Cabia aos
ricos dar esmolas e aos pobres receber os sobejos que cristãmente deviam
agradecer ao Senhor. Era a caridade no seu esplendor.
Foi dessa escola que veio, num parto tardio, a atual
presidente do Banco Alimentar que alimenta o ego, e as aspirações políticas,
com a caridadezinha. Não admira que diga ser "mais
adepta da caridade do que da solidariedade". Foram 48 anos de pedagogia
fascista e o 25 de Abril foi só há 38.
Que seria de gente assim, sem a fome, para alimentar o
prestígio, o poder e o paraíso?
Comentários
de que a Senhora tem ambições políticas. O pior é que de cada vez que abre a boca sai asneira. Mas, como dizia o outro, "há-os lá mais burros"...