Estatuto dos Açores e regionalização do País


Pasmo como é possível conseguir a unanimidade da Assembleia da República na defesa da progressiva autonomia das Regiões Autónomas. Falta pouco para que ao Governo da República fique reservado o pagamento do défice e às Assembleias Regionais a votação das despesas.

Na quinta-feira passada foi aprovado por unanimidade, na AR, o novo estatuto político-administrativo dos Açores, expurgado dos piores excessos, por respeito ao bom senso, neste caso, de Cavaco Silva. Sem o aviso do PR, o direito regional prevaleceria «pela supletividade do direito nacional» para o «povo dos Açores». Lá chegaremos.

Como é possível reunir em apoteótica unanimidade o PCP e o CDS, o BE e o PSD, o PS e os Verdes, deputados que não fazem o que deviam para criar as cinco regiões que dão coerência administrativa e racionalidade autárquica ao Continente?

Continuará a chantagem dos caciques para conseguirem mais juntas de freguesia e mais concelhos, numa atomização do território em quintas sem dimensão, sem massa crítica, sem gestores capazes, proliferando as empresas públicas municipais e outras sinecuras que os munícipes pagam na água, no saneamento, no IMI e no imposto municipal sobre veículos, para gáudio das clientelas políticas e redes de influência local?

A manutenção dos distritos, cada vez com menor justificação e importância, é hoje um obstáculo que é preciso remover para que a regionalização possa avançar. As juntas de freguesia urbanas, e algumas rurais, são hoje um alfobre de empregos parasitários, tal como as Empresas Públicas municipais, resultado de interesses partidários e uma arma de arremesso para discutir com números quem ganha as eleições autárquicas.

E a regionalização adiada, enquanto os excessos das regiões autónomas comprometem a do país!

Comentários

Anónimo disse…
E acho que pasmamos todos, do facto de ver esta demissão dos poderes democraticos da República.

É dificil entender, senão como um laxismo da AR

e uma crispação chantagista dos deputados da AR, por parte dos Governos Regionais...

Não entendo César nesta atitude que não me parece minimamente necessária

abraço
Aires:

Chama-se a isto «Dar a César o que é de Sócrates e a alguns o que é de todos».
lídia disse…
Carlos Esperança:
Entendo-lhe a estranheza pelo aparente fenómeno que representou a unanimidade de todas as bancadas da AR na aprovação da Revisão do Estatuto da Região Autónoma dos Açores. Entendo-lhe a estranheza e a justeza da argumentação quanto à inércia do parlamento no que concerne à criação das regiões no território do continente.
Mas, pelas minhas convicções, primeiro, e depois pela coragem desassombrada, pela argúcia e honestidade que lhe reconheço e admiro sempre na análise e no propósito, permito-me discordar, creio que pela primeira vez, do que me parece ser a sua posição quanto às autonomias regionais.
Para a unanimidade da aprovação no parlamento, mais do que da bondade dos partidos para com a autonomia, que desta vez sai de facto reforçada, penso que também se explicará pelo facto de que o apoio de agora, poderá, a seu tempo, ser invocado, como argumento ao serviço de "apetites eleitorais".
Quanto à supletividade do Direito estadual face ao Direito regional, se puder dedicar um pouco mais de atenção ao assunto, verá que aquela não resulta de «excessos das regiões autónomas» tendentes a comprometerem o país, nem da cedência a chantagem de deputados regionais. Pelo contrário, trata-se de um princípio tão antigo como a instituição das regiões autónomas. Princípio consagrado na Constituição da República, designadamente no nº 4 do Artº 112º e nas alíneas a) a c) do nº1 do Artº 227º, que definia os poderes legislativos, enquanto no Artº 228º, se estabeleciam quais as matérias de interesse específico das regiões autónomas
Ainda de referir que a designação de "autonomia progressiva" não é de agora. Foi ensaiada ainda por Mota Amaral, numa época bem conturbada, que tanto o governo regional como a bancada que o sustentava receberam o Presidente da República no Parlamento Regional em ambiente de rara crispação e exibindo gravatas pretas e óculos escuros, em retaliação pelo veto presidencial à proposta de revisão do Estatuto.
Volvidos mais de vinte anos, acredito que este sucesso nem ele o sonhava tão alargado, mas faço-lhe a justiça de acreditar que é genuíno o entusiasmo que declarou ao aprovar esta revisão.
Mais competência, mais responsabilidade e, portanto, um maior compromisso com a Região e com o País, no que considero ser uma demonstração de confiança e maturidade das intituições e da democracia.
A soberania é una e indivisível, ou não o seria e, quanto ao Estado, ou é Estado e tem poder agregador ou... não há Estado. Enquanto isso, a Autonomia não vinga sem o Estatuto que lhe dá forma e este, sem a Constituição, não procede.
Sobre Cavaco Silva, o ter dúvidas, se as teve, é (agora…) um dever do seu cargo, pelo compromisso que assumiu de cumprir e fazer cumprir a Constituição contribuindo e velando pela unidade nacional no respeito das regras democráticas. Tal não se percebeu (porque não aconteceu) na Madeira, onde se prestou aos ardis e palhaçadas bem ao jeito truculento de Alberto João.
Mas a Madeira e os Açores são duas regiões com realidades algo diferentes. Autónomas - também no modo e entre si.
E, se confundir a postura e o relacionamento de ambas com o poder regional e central é estabelecer um grande equívoco, no meu entender e pesem embora alguns impulsos de uma certa e tão forçada quanto desnecessária afirmação (aqui concordo com o Aires e acho que a seguir também o Aires vai concordar comigo…), ainda assim e pelo menos até agora, comparar César com Jardim seria cometer uma enorme injustiça contra o primeiro.
Quanto a “povo dos Açores”, é uma expressão em que não reconheço qualquer intento de cisão independentista nem nada que se lhe assemelhe (e garanto que, a haver, ainda eu lhe saberia reconhecer o cheiro). Açores são Portugal acrescentando-se quando abre os braços pelo natural encanto das suas ilhas e se estende na largueza da sua Zona Económica Exclusiva. Em “povo dos Açores”, designam-se, de facto, algumas características específicas que têm muito a ver com cruzamento de rotas e de gentes, uma vontade emigrante, histórias de solidão e resistência, de saudades e diáspora para além de um mar imenso que segundo Nemésio nos corre por dentro das veias de lava.
Uma expressão que não incomoda quem, como eu, sente que ser portuguesa é, na esfera emocional a inevitabilidade de um orgulho maior e, no plano racional, a causa e consequência de ser açoriana.

Uma nota final, Carlos Esperança, para lhe agradecer por ter trazido o assunto aqui, o que constituiu um incentivo para ler mais sobre o assunto.
Obrigada.

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