O patriarca da família Jardim das revistas cor-de-rosa

Em Outubro de 1967 fui desterrado para o norte Moçambique, pelo único crime de ser português, obrigado a integrar o exército de ocupação que o ditador vitalício – Salazar – resolveu usar para atrasar a história e se manter no poder até que a cadeira teve a audácia que faltou aos compatriotas.

Foram 26 meses de sofrimento, às vezes de fome, quase sempre de medo, nada que se comparasse ao flagelo dos povos indígenas: a lepra, a tuberculose, a fome e o terror da tropa e da FRELIMO, populações que as autoridades administrativas tratavam como se fossem gado.

Já lá vão quase quarenta anos que terminou o pesadelo, e ainda hoje recordo os rostos tristes das crianças e o ar de sofrimento de um povo ocupado por invasores. Mas para que hei-de falar disso se a dor e a revolta não se apagam?

É a farsa que hoje decorre no Zimbabué que me trouxe à memória aquelas paragens e os tempos do Portugal salazarista. Tal como o nosso ditador vitalício, também o que hoje o imita na farsa eleitoral se considera perpétuo e intransigente a ceder o poder. Ouvi-o, há pouco, a dizer que o poder lhe foi dado por Deus e que não permitiria que lho tirassem.

Curiosamente, também era então vitalício o ditador do Malawi, um pequeno país que fazia fronteira com a região do Niassa e que o exército português invadia regularmente sob o pretexto de perseguir os soldados da FRELIMO. O presidente vitalício era, como todos os ditadores, um indivíduo sem dignidade. Chamava-se Banda e tinha um cônsul na cidade da Beira que era o português mais influente de Moçambique, antigo membro do Governo de Salazar, perigoso político habituado a trabalhar na sombra.

Um dia a Companhia de Caçadores 1626, uma força de intervenção, invadiu o Malawi e, contrariamente ao costume, esqueceu-se de um 1.º cabo, fardado e armado, na pressa de se afastar dos jipes da polícia militar do país invadido. Ficou ansioso o Comandante do Batalhão n.º 1936, um destemido e honrado tenente-coronel, Luís Canejo Vilela, quando o capitão lhe deu conta da expedição e do desaparecimento do militar.

As coisas nem sempre são tão graves como parecem, basta a desonestidade dos homens e a falta de honra serem maiores do que deviam.

Na sede do Batalhão, no Catur, apareceu no dia seguinte o famigerado Eng.º Jorge Jardim no avião particular, com piloto privativo. Dois dias depois o 1.º cabo era entregue, incólume, em Mandimba (fronteira), com o camuflado intacto, o morteiro e as respectivas granadas.

Dessa vergonha, que acabou bem, guardo a foto que aqui deixo. Entre o major Artur Batista Beirão, à esquerda (que viria a ser general comandante da Região Militar de Lisboa, onde substituiu Vasco Lourenço) e o tenente-coronel Luís Vilela, está uma figura do fascismo português, disfarçado de régulo, pai e avô das Cinhas e Pimpinhas com o mesmo apelido, o indivíduo que ameaçou Moçambique com um banho de sangue na louca aventura de tentar uma independência branca, à semelhança da Rodésia e da África do Sul.

Eis um pouco da história que ninguém conta.

Comentários

e-pá! disse…
Quem esteve em Moçambique, mesmo circunscrito aos 2 anos da comissão de serviço militar obrigatória, sabe que o Engº Jorge Jardim sempre sonhou ser, o que foi, Ian Smith, na Rodésia.

Não teve "estaleca" pessoal para isso (Marcelo não alinhava) , Kaúlza (era um indeciso a tentar representar vários papéis - de duro, traidor, etc,), não tinha apoios políticos regionais (africanos) - acrescente-se, nem nacionais - e era olimpicamente ignorado pela comunidade internacional.
Tentou concertar com Presidente Kaunda da Zâmbia o "Plano Lusaca" (diferente do Acordo de Lusaca), pouco antes do 25 de Abril. Foi uma abortada tentativa neo-colonialista.
O Engº Jorge Jardim morreu sem ter compreendido as consequências africanas da II Guerra Mundial.
Preferiu "brincar às escondidas" com a História.
A família, retornada, prefere exibir-se na imprensa cor-de-rosa, ao mesmo tempo que afirma sentir-se tão "negra" como um macua.
Caminhos diferentes...
Destinos idênticos?
Margarida disse…
Este comentário foi removido pelo autor.

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