Carta Aberta ao Ministro da Defesa Nacional

Senhor ministro da Defesa Nacional
Dr. Nuno Severiano Teixeira
Avenida Ilha da Madeira, 1

1400-204 Lisboa


Assunto: A peregrinação militar a Lourdes
Excelência:


«Portugal (?) levou 700 peregrinos [militares] ao Santuário de Lourdes (França) para participarem numa Peregrinação Militar Internacional», segundo informou a Agência Ecclesia.

Tratou-se de «um grande acontecimento do mundo militar» segundo o major-general Januário Torgal Ferreira, Bispo das Forças Armadas e de Segurança, comandante-chefe dos católicos fardados portugueses com legitimidade duvidosa, mas é intolerável que um Estado laico possa envolver-se em escaramuças litúrgicas e participar em manobras eucarísticas.

Portugal já teve um ministro da Defesa, muito devoto da Senhora de Fátima, que lhe agradeceu a intercessão por ter desviado o crude do naufrágio do navio Prestige para as praias da Galiza e poupado as do Minho, não pode condicionar o actual ministro a pagar o favor divino, com a agravante de o Batalhão reforçado (700 militares) se ter enganado no santuário, ao agradecer em Lourdes os alegados favores de Fátima;

4 – O facto de um cardeal austríaco ter presidido à peregrinação e dado instruções aos militares portugueses configura uma grave interferência na soberania de um país laico e uma usurpação de funções que cabem ao MDN ou, por delegação, aos CEMGs.

Assim, em nome da laicidade do Estado e da moralidade pública, solicito a V. Ex.ª que se digne esclarecer o seguinte:

1 – Os militares peregrinos viajaram a título particular ou oficial?

2 – Usaram as férias normais ou tiveram uma semana suplementar para cuidar da alma?

3 – As Forças Armadas colaboraram na despesa da expedição eucarística?

4 – No caso de ter havido custo para o Erário, qual a disposição legal aplicada?

5 – Por se tratar de uma missão militar no estrangeiro, foi autorizada pelo Comandante Supremo das Forças Armadas, o senhor Presidente da República?

Aguardando que se digne esclarecer o cidadão apresento a V. Ex.ª os meus melhores cumprimentos.

a) Carlos Esperança

Comentários

Rodrigues disse…
Qual laicidade qual carapuça, isto não é mais que a aliança do sabre e do hissope, herança de séculos de colonialismo e de evangelização.
Rui Luzes Cabral disse…
Ponto I - "escaramuças litúrgicas e participar em manobras eucarísticas."

O que é que, em essência, quer dizer esta frase?

Ponto II - A religião, a família, o trabalho e outras dimensões da sociedade são espaços onde podemos ou não estar inseridos completamente. E como o Homem não é ainda uma máquina, precisa dessas dimensões e outras para se realizar e para viver plenamente. É obvio que uns vivem bem sem religião, outros sem o desporto, outros sem ir a um café, a um cinema, a um teatro, ou sem escreverem em blogues, etc...

Sem que se prejudiquem as pessoas, nada tenho contra a que as pessoas se realizem em sociedade, quer estejam ou não ao serviço do estado, da religião ou doutra coisa qualquer, desde que com bom senso, respeito e sentido ético. Serei sempre contra os usurpadores do estado, quer sejam ateus ou crentes. Ir a Fátima ou a Lourdes, é para mim uma actividade como outros que se organizam para o paint ball, a escalada, ou o pic-nic. O que importa é que as pessoas se respeitem e sejam felizes. O resto é retórica e conversa. Conversa só para não estarmos calados, às vezes.

Grave não é um passeio destes. Grave é o que esbanja o estado em contratos duvidosos, como aquele que vem hoje a público no PÚBLICO: "Estado gastou 485 milhões em rede de comunicações que valia um quinto." Ao ministro responsável por isto é que se deveria escrever uma carta. O resto nem migalhas são. São preciosismos, parece-me.
O "passeio" é grave se for feito à custa dos contribuintes, isto é, se for pago pelo erário público ou feito durante o tempo em que os passeantes deveriam estar a trabalhar e não a passear. E é gravíssimo se por acaso os "passeantes" foram obrigados a dar o piedoso passeio, ou tiveram de o fazer no regime de "voluntariado compulsivo" (a expressão é de Alexandre O´Neill) em uso na tropa.

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