O I GOVERNO ANTICONSTITUCIONAL

Digamo-lo pesando bem as palavras: o País está a ser “governado” por um bando de marginais.

Os “governantes” agem à margem da lei. Contra a lei. E desde logo contra a Lei Fundamental: a Constituição da República, matriz de todas as outras leis.

Quando a Constituição diz, logo no seu 1.º artigo, que Portugal é uma República “empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”, querem instaurar um regime de senhores e escravos, injusto e individualista, de “cada um por si”.

Quando a Constituição preceitua que “incumbe ao Estado promover a execução de políticas de pleno emprego”, promovem políticas que deliberadamente conduzem a que haja cada vez mais desemprego.

Quando a Constituição prescreve que incumbe ao Estado organizar um sistema de segurança social que proteja os cidadãos na velhice, desvalorizam a segurança social e vão ao ponto de, pela boca do próprio primeiro-ministro, insultar os velhos reformados quase apodando-os de parasitas.

Quando a Constituição impõe que haja um serviço nacional de saúde universal, geral e tendencialmente gratuito, desinvestem nesse serviço e tornam-no cada vez mais caro, inacessível e ineficaz, em benefício da medicina privada.

Quando a Constituição dispõe que incumbe ao Estado assegurar o ensino básico gratuito e “estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino”, tendem a tornar o ensino cada vez mais caro, pretendendo mesmo que o próprio ensino básico seja pago.

Como se tudo isto não bastasse, aprovaram para 2013 um Orçamento recheado de normas manifestamente inconstitucionais. Mas o mais grave é que o aprovaram plenamente conscientes de que essas normas são inconstitucionais. Violaram assim a Constituição deliberada e premeditadamente.

Agora, obtida a conivente promulgação do PR – que mesmo assim manifestou “dúvidas” – dirigem os seus ataques contra a última barreira que lhes falta vencer para consumarem o crime: ameaçam e chantageiam o Tribunal Constitucional.

Esses ataques têm-se multiplicado. O último e mais descarado veio há pouco do próprio Secretário de Estado do Orçamento. Numa entrevista à Rádio Renascença perpetrou esta afirmação: “A declaração de inconstitucionalidade tem consequências para o País: pode ser o incumprimento do programa a que estamos obrigados e cujo cumprimento tem garantido o nosso financiamento.”

Esta parvoíce peca desde logo por grosseira falsidade: nenhum “programa” – designadamente o memorando da Troika – obriga a que se tomem medidas inconstitucionais. O governo, para cumprir o memorando, podia ter optado por outras medidas que não ofendessem a Constituição.

Mas o mais grave é que estas desbragadas deturpações da verdade constituem uma intolerável e inadmissível pressão do poder executivo sobre o poder judicial, violando grosseiramente o basilar princípio democrático da separação de poderes.

Qualquer governo decente demitiria imediatamente a criatura por indecente e má figura. Mas já se viu sobejamente que a decência não é apanágio deste governo, que se calhar até lhe “encomendou o sermão”.

Assim sendo, competiria ao Presidente da República pôr cobro a estes desmandos. Mas também já se viu que, desgraçadamente, chegámos a um ponto em que a República não pode contar com o seu Presidente!

Comentários

A. João Soares disse…
Caro António Horta Pinto,

Gostei deste texto de tal forma que ousei transcrever, com as necessárias referências da origem, no blog Do Miradouro, com o título Constituição desrespeitada.

Melhores cumprimentos
João
A. João Soares:

É um texto lapidar na forma e no conteúdo.
Senti-me obviamente muito honrado com a transcrição do texto no blog Do Miradouro, e agradeci a A. João Soares em comentário nesse mesmo blog.

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