A crise e a luta partidária


Não sei se é imaginável sair da crise e evitar a bancarrota; não sei se os esfomeados se deixarão morrer sem se revoltarem e se os que vivem da crise não temem a agitação dos que já nada têm a perder. Sem comida, assistência médica e um módico de segurança social não há brandos costumes que persistam.

A Europa das nações é cada vez mais alemã enquanto a Alemanha está cada vez menos europeia. O aprofundamento da integração política, um sonho de que ainda transporto as últimas ilusões, reduz-se progressivamente à moeda, que é perigoso abandonar, e à livre circulação de capitais, de sentido único, dos países pobres para os países ricos.

Em Portugal a crise financeira internacional, entrou, qual tsunami, desmantelando o que restava do tecido produtivo e das conquistas sociais do 25 de Abril. A pequena e débil economia periférica ficou à mercê da agiotagem universal e da cleptomania autóctone.

Os partidos políticos preferiram tirar partido da desgraça imprevisível, na luta pela fatia eleitoral, a apresentarem projetos alternativos ao experimentalismo laboratorial feito por um bando de académicos lunáticos associados a ambiciosos políticos analfabetos.

Certa esquerda chama traidores aos que negociaram com a troika e a direita denomina totalitário  tal esquerda. A linguagem é indigna do debate de ideias na luta pelo poder. Uns querem a poder da rua outros o dos negócios e todos vão sendo cúmplices da tática que acelera a vertigem destruidora do país que fomos.

À desilusão do bando que nos governa junta-se a suspeição para com todos os outros. Já não há diferença entre o comportamento dos militantes partidários e as Testemunhas de Jeová que vêm oferecer o paraíso ao domicílio quando os ateus ainda dormem.

O mundo mudou e os partidos portugueses mantêm os paradigmas herdados da guerra fria. Até os sindicatos, entusiasmados com os que ainda têm emprego, vão esquecendo a legião de vítimas que procuram a casa paterna, a sopa dos pobres ou a fuga do país.

Comentários

e-pá! disse…
Quando ninguém se entende, ou quando deixou de ser possível fazer-se entender, o tumulto passa a ser a linguagem corrente da política.

Foi mais ou menos isto (cito de cor) que disse Martin Luther King, nos conturbados anos de luta pelos Direitos Cívicos nos EUA e que volta a fazer sentido na Europa de hoje.

Mais do que o permanente esgrimir teorias financeiras e económicas a Europa obteria melhores resultados se fosse capaz de parar para pensar e tirar lições da História de modo a sentir o pulsar dos tempos de cólera, anunciadores de rupturas civilizacionais (políticas e sociais).
O clima insurreccional, que paulatinamente está a fermentar à sobra da pobreza e da fome, é o tradicional caldo de cultura das abruptas mudanças qualitativas que passam por devastadores conflitos bélicos onde têm sucumbido muitas das arrogâncias imperiais...
Ricardo A disse…
Depois do radicalismo de esquerda(do prec em 1975)temos o radicalismo ultraliberal e troikista do governo actual.Quanto ao PS devia pensar bem como vai conseguir o dinheiro para instalar de novo o socialismo(seja ele de que espécie for).A solução não passa por este regime travestido.
Gosto diste texto!Ver e ler "Utopia e Realtà" e "Le Origini del Bene e del Male"



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