A monarquia espanhola, os escândalos e o futuro


A acusação da Infanta Cristina, cuja cumplicidade com o marido parece irrefutável, é mais uma acha na fogueira em que arde a monarquia espanhola.

Iñaki Urdangarin, vem sendo acusado do desvio de fundos, fraude, falsificação e tráfico de influência, além de infrações fiscais e possível lavagem de dinheiro. Não é provável que a mulher desconheça os negócios suspeitos do marido de que ela também beneficia.

É difícil e delicado investigar a família real espanhola, a derradeira herança franquista intocada, mas, para o juiz José Castro, já deixou de ser intocável e os duques de Palma respondem pela apropriação de fundos públicos, como qualquer plebeu de mau porte.

Desde que o direito perdeu a origem divina, as monarquias são instituições de adorno ou tradições exóticas que exigem um comportamento imaculado para serem toleradas. No caso espanhol não se trata de uma tradição continuada mas de um abcesso legado pelo genocida Francisco Franco que derrubou a República, sufragada pelo povo espanhol.

Não vem ao caso recordar a orgia de sangue que dos dois lados da barricada manchou a Espanha durante a cruenta guerra civil de 1936/39, mas convém lembrar que foi Franco que, depois de vencida a guerra, continuou a executar centenas de milhares de espanhóis de forma sumária. A vitória fascista, abençoada pelo Papa, que a designou ‘cruzada’, foi a mais sangrenta tirania de que havia memória. É inútil regressar aos crimes hediondos, de que há abundantes testemunhos históricos, e às cumplicidades que os permitiram.

A monarquia espanhola é uma espécie de última vontade de Franco que o rei perpetua. As hormonas e as relações enegrecem Juan Carlos, e a comunicação social não precisa de licença para investigar o passado e escrutinar o presente.

O boato posto a circular sobre a inestimável contribuição real para o fracasso do golpe de Estado perpetrado pelo grotesco militar Tejero Molina, que invadiu o parlamento, já não basta para apagar a nódoa do seu compromisso com o monstro que o escolheu.

A única apólice da monarquia continua a ser o medo com que Franco oprimiu o País em doses de intolerável crueldade. Há medo da desintegração de Espanha, de que se julga ser cimento o regime que o povo não sufragou e o rei que o ditador legou. Teme-se os demónios totalitários, que podem voltar, a violência, os desaparecidos, as valas comuns, as crianças roubadas, a pena de morte e a aliança entre um caudilho e a Igreja que tarda em democratizar-se.

Um dia, vencidos o medo e a crise económica, a Espanha regressará à República. Viva a República!

 Ponte Europa / Sorumbático

Comentários

e-pá! disse…
O problema espanhol é mais vasto. Trata-se do desmoronamento do actual quadro institucional que resistiu (sobreviveu) à transição do franquismo.
A casa real foi o instrumento concebido pelo ditador para 'segurar' as reivindicações autonómicas e independentistas, mantendo acesa a ideia nacionalista de 'Espanha'.
Mas o franquismo foi o grande e dramático 'sobressalto espanhol' do séc. XX. Deixou imensas sequelas, essencialmente humanitárias e, também, no âmbito democrático.
A situação vivida hoje pelos representantes da disnatia Bourbon e, por outro lado, no interior do PP (um 'aggiornamento' do franquismo), que actualmente detém o poder executivo, apresenta um denominador comum: uma desmesurada corrupção (de valores e financeira).
Os 'casos Nóos e Bárcenas' são a ponta do iceberg deste ambiente profundamente marcado por escândalos.
Os seus efeitos sobre o actual quadro institucional não tardarão.
O regresso aos ideais republicanos (incluindo a sua componente ética) aparece como sendo uma incortornável saída para a actual crise de regime.
Preocupante será, por outro lado, o facto de, no espectro político espanhol, não existirem forças políticas de 'índole republicana' actuantes, credíveis e mobilizadoras.
O risco de a situação 'cair de podre' é elevado. E, como nos demosnstra a História, a saída atabalhoada de crises de regime, não é obrigatoriamente uma 'solução democrática'...
Este o grande risco que o regime corre - em termos de futuro - em 'Espanha'.

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