Thatcher – morte ao serviço do ultraliberalismo
Tenho pela vida um enorme respeito porque, como ateu, a considero única e irrepetível. A morte é o fim da caminhada de Eros a Tanatos, a terrível injustiça que suporto com lágrimas e sofrimento, o princípio da saudade que nunca mais digiro quando me leva quem amo.
Não me alegro com a morte de alguém, mas seria cobardia condescender com a cultura judaico-cristã que faz de um patife herói e de um crápula pessoa de bem.
Não tenho, nas minhas relações, amigo ou visita de casa de Margaret Thatcher. Portanto só posso ferir correligionários, e não amigos, ou gente que se emociona com ícones criados pela comunicação social, hoje interplanetária. Aos últimos peço compreensão.
A morte de Thatcher devia servir mais para analisar o seu legado do que para incensar a sua governação. Foi com ela e Reagan que começou a contrarrevolução neoliberal, que o primado monetarista foi destruindo o tecido social e a solidariedade humana, que a especulação financeira tomou o lugar da democracia social e o dinheiro se sobrepôs às pessoas.
Não me interessa a robustez do fígado que tanto álcool destilou mas a inteligência com que defendeu os interesses do patronato contra os direitos dos trabalhadores. No campo da ética era um ser desprezível para quem Mandela era terrorista e Pinochet um patriota. Ignorou com arrogância os intelectuais, de Bertrand Russell a Aldous Huxley, e preferiu Friedman a Keynes. Recordo a grande afeição pelo genocida Pinochet, por quem tanto se esforçou para lhe evitar a prisão, juntamente com João Paulo II, cúmplice de todas as ditaduras de direita, hoje a caminho da santidade, herói e benemérito fabricado pelo capitalismo internacional e pela beata adoração dos crentes.
Para Thatcher as desigualdades sociais e a distância entre ricos e pobres eram axiomas do seu catecismo político que acrisoladamente partilhava com Ronald Reagan. Nunca, na Europa, alguém fez tanto e tão profundo mal à justiça social ou causou tantos danos ao capitalismo de rosto humano como essa senhora que, na morte, mereceu os maiores encómios dos herdeiros ideológicos, de Durão Barroso a David Cameron, e de um dos seus cúmplices, Henry Kissinger.
Deixa numerosos órfãos, de Vítor Gaspar a Wolfgang Schäuble e um clone alemão que dá pelo nome de Angela Merkel. Só não refiro Passos Coelho porque lhe falta densidade política e intelectual, apesar de detestável, para integrar a galeria dos ultraliberais.
Fico insensível à morte de Thatcher cuja influência foi nefasta para a velha Europa onde a democracia ficou mais pobre com o seu exemplo e empenhamento. Lamentarei, sim, a morte de Nelson Mandela, que considerou terrorista. O dia 8 de abril será para mim, nos anos que me restam, o dia da morte de Pablo Picasso.
Manifesto a maior repulsa pelas carpideiras da senhora, que desejam, na sua necrofagia, legitimar a herança política que conduz à miséria, à fome e às desigualdades sociais.
Comentários
Nunca te doam as mãos, porque há mais uns tantos escroques que também cá não ficarão. E vão precisar duma boa encomendação.
A mulher era execrável, quer como política quer como pessoa. Deixou um legado terrível, de que ainda hoje sofremos as consequências.
intelectual de meia-tijela that is what you are.
Os fascistas aparecem com frequência e a sua presença aqui significa que já não há Pide, a quem estaria a dar informações.