China, Cavaco e a ‘veniaga’…
O anúncio da visita de Cavaco Silva à China link, acompanhado de uma vasta comitiva (cuja dimensão causa espanto), traz à memória a embaixada que D. João V, em 1725, enviou ao imperador chinês Yongzheng e que visava, em primeiro lugar, sublinhar a presença portuguesa no Oriente e salvaguardar os nossos interesses estratégicos em Macau. Paralelamente, o rei português pretendia defender o Padroado do Oriente em consonância com a missionação que os jesuítas desenvolviam nessas paragens.
Hoje, desfeita toda a nossa saga oriental e declinada toda a influência cultural do 'orientalismo' a motivação é outra: 'externalização' da economia portuguesa face à globalização.
Na verdade, a missão de D. João V não é a primeira embaixada portuguesa enviada ao Império do Meio. Tal incumbência coube a Tomé Pires, em 1517, como enviado do rei D. Manuel e, como sabemos, traduziu-se num tremendo fracasso, visto os portugueses terem ignorado os contornos da milenar cultura oriental e levianamente alimentado incidentes e conflitos que se revelaram inultrapassáveis e fatais. Este episódio terminou com a prisão e morte do régio enviado e consequente expulsão dos portugueses dessas terras.
Só mais tarde – em 1554 – foi possível normalizar as relações sino-portuguesas com o célebre “Assentamento” subscrito por Leonel de Sousa, um oficial da marinha portuguesa e foi, de facto, o ‘acto fundador’ da nossa presença em Macau que viria a durar, com muitos sobressaltos pelo meio, até 1999.
Seria útil que a actual embaixada chefiada por Cavaco Silva tivesse em consideração o secular lastro histórico-cultural que informa e modelou as sempre difíceis e subtis relações com Pequim.
Na verdade, os tempos actuais são substancialmente diferentes dos contactos pioneiros e historicamente marcados com a China. Mas os portugueses devem ter particulares receios que, mais uma vez, por ignorância e sobranceria a presente embaixada nacional venha a cometer os erros de antanho e afronte a actual ‘cultura chinesa’. A retórica neoliberal, que infesta o poder em Portugal, pode revelar-se inapropriada e contraproducente. O poder político chinês que controla toda a vertente económica e comercial deste imenso País continua a valorizar a sua ancestral tradição cultural e os órgãos de direcção continuam a ser meticulosamente requintados, tremendamente elaborados, educados e pacientes. É de levantar sérias dúvidas sobre as declarações produzidas pelo presidente português que referiu “…somos um parceiro construtivo e um amigo da China e sabemos quão benéfico é para a União Europeia aprofundar as relações comerciais e de investimento com a China” link tenham o mínimo de substância e impacto para ‘impressionar’ os dirigentes chineses.
O Presidente Hu Jintao quando, em 2010, visitou Portugal afirmou que o Governo da China não só “incentiva as empresas competitivas a operar em Portugal”, como “dá as boas vindas às empresas portuguesas para participar inteligentemente na concorrência do mercado chinês, para que cada vez mais os grupos portugueses competitivos possam entrar no mercado da China” link. Actuar de acordo com o conceito de ‘participação inteligente’ - subtilmente introduzido nesta declaração - poderá ser, dadas as características do líder da nossa embaixada, um verdadeiro empecilho na medida em que os paradoxos dominam os relacionamentos da China com o Mundo. Por outro lado, um dos aspectos mais intrigantes deste País é a caracterização da sua economia. Torna-se muito difícil entender (mesmo para um economista) aquilo que é frequentemente denominado, no Ocidente, por ‘economia de mercado socialista’, ou o conceito de ‘um País, dois sistemas’.
Nos primórdios das relações sino-portuguesas foi introduzido no nosso léxico o termo ‘veniaga’, originário do sânscrito (vanijaka) e que traduz a intenção de negociar, traficar.
A visita de Cavaco Silva à China deverá ser, portanto, o revisitar inteligente dessa histórica ‘veniaga’…
A folia da ‘externalização da nossa economia’, a todo o gás, deixa-nos sempre apreensivos.
A ‘pressa’ e o imediatismo nas relações entre a China e outros países (e não só com Portugal) tem-se revelado como um factor acrescido de dificuldades ou até um contratempo.
A ‘pressa’ e o imediatismo nas relações entre a China e outros países (e não só com Portugal) tem-se revelado como um factor acrescido de dificuldades ou até um contratempo.
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