NATO: De Varsóvia a Colombey-les-Deux-Églises …


A NATO prepara-se para criar mais um problema (político) à Europa. Na reunião de 2016 em Varsóvia (é significativo que tenha escolhido esta cidade) pretende intensificar uma complexa e opaca ‘frente anti-Moscovo’. É, por assim dizer, a tentativa do prolongamento, no tempo, de uma ultrapassada ‘guerra fria’, esquecendo-se que já não existe URSS. 
Aliás, ao olhar para os novos membros que tem ‘cativado’ para consolidar a ‘Aliança’ encontram-se aí muitos dos que estiveram num outro pacto, exactamente nessa cidade de Varsóvia, decorria o ano de 1955.

A cimeira de Varsóvia terminou com a publicação de um extenso texto (com 139 itens)  link onde se podem detectar algumas lacunas e muitos enigmas. As principais motivações da cimeira foram as pretensas violações pela Rússia dos compromissos assumidos no ‘âmbito de uma cooperação euro-atlântica’, desígnio celebrado em 1997 e reafirmado na cimeira de Lisboa (2010).

No item 10 do relatório publicado Moscovo é acusado de todos os males que contaminam a segurança europeia: Anexação da Crimeia, intervenção na Ucrânia, provocações militares no mar Báltico, violações do espaço aéreo de ‘países aliados’, intervenção militar na Síria, concentração militar no Mar Negro, etc. Na conclusão deste arrazoado (item 14) afirma que a NATO não tem intenção de confrontar a Rússia e que a sua acção em defesa da ‘segurança euro-atlântica’ será “resoluta, previsível e transparente”. Isto é, fica aí bem expressa a ameaça velada que tenta escamotear.

Por outro lado, a decisão sobre o estacionamento de forças militares da NATO na Estónia, Letónia, Lituânia e Polónia link deverá ser considerado (pela Rússia e pelo Mundo) como uma … ‘manifestação amistosa’. Na realidade, estes países há menos de 30 anos, integrando o bloco soviético, estavam noutro pacto (por sinal acordado em Varsóvia).

Os problemas ocultos (as lacunas que referimos no início do comentário) são as críticas de François Hollande ao confronto programado e exacerbado com a Rússia (de algum modo repete-se o embuste do Iraque que o relatório Chicot lapidarmente denuncia) tendo o Presidente francês afirmado que o papel da NATO não é “arranjar inimigos, ameaçar, mas procurar discutir assuntos numa reunião NATO-Rússia…”  link . Hollande não enfrenta sozinho a estratégia norte-americana. Não tem peso político nem força para tal.
De facto, dois dias antes do início da conferência surgiram notícias oriundas de veteranos dos serviços de inteligência americanos para Angela Merkel usar de “realismo e contenção” link nos enfrentamentos que se desenham com a Rússia  e integravam a agenda da cimeira de Varsóvia.

Na realidade, existe nesta confrontação com a Rússia um profundo conflito de interesses que condiciona diferentes visões sobre a segurança europeia. Significativamente, existirão fortes divergências entre os EUA e o ‘eixo franco-alemão’ que - com o Brexit - tornou-se mais relevante em termos de política de defesa europeia. A Grã-Bretanha embora integrando a NATO terá – em consequência de decisões políticas recentes – de assumir-se como um ‘player autónomo’ ou, se quisermos, de interface. Não parece que, depois da cimeira de Varsóvia, se possa falar de coesão da Aliança. Pelo contrário, qualquer observador atento detectará evidentes sinais de divergência.

A Rússia enquanto ‘herdeira’ de uma União de Repúblicas que, em 1991, implodiu, tem, certamente, ambições de geoestratégicas e, para além disso, é uma potência militar possuidora de um vasto arsenal nuclear. O seu alinhamento com a Europa Ocidental, como sucedeu no passado com a maioria dos povos eslavos, tem sido conflituoso. Todavia, a Rússia sabe que a Europa só será forte e influente quando um abrangente diálogo intereuropeu a incluir. Ora, os passos que a NATO pretende dar, vão no sentido contrário, pelo que será justo a UE interrogar-se sobre a pertinência dessa velha estratégia redefinida de novo em Varsóvia.

Na verdade, a Europa soma problemas atrás de problemas desde as dificuldades de resolução da crise económica e financeira (um crescimento anémico e uma alta taxa de desemprego), ao problema dos refugiados (que tem causado fracturas entre Leste e Oeste europeu que acrescem às tradicionais entre o Norte e o Sul) e mais recentemente não pode ignorar a convulsão política advinda do ‘Brexit’ (com implicações de toda a ordem), para se mostrar disponível no sentido de aprofundar o confronto com a Rússia. Já bastam os problemas criados com a intervenção do Iraque e ainda a desenvolver no terreno múltiplas consequências. Sejamos claros: quer os problemas do terrorismo, quer o dos refugiados, têm a sua génese em 2003 e, mais concretamente, na invasão do Iraque.

Na cimeira de Varsóvia 2016 adiou-se, mais uma vez, resoluções sobre os problemas cruciais que afectam o Médio Oriente, em que a NATO esteve envolvida, como foram (e ainda são) as ‘primaveras árabes’ e onde o caso mais paradigmático é o da Líbia. Também se contornou o problema do terrorismo, no presente alimentado pelo Daesh, deixando literalmente reduzida a futura intervenção a uma melhoria dos sistemas de troca de informações.

A sensação residual é que a cimeira de Varsóvia ‘passeou’ por um lago onde as águas turvas iludiram – para já – o pântano subjacente. É óbvio que os EUA continuam a ser a força militar hegemónica na Aliança Atlântica mas não deixa de ser verdade que, depois da queda do muro de Berlim, não existiram as necessárias inflexões estratégicas que fossem para além de um progressivo e calculista alargamento. 
A permanente consonância da Aliança com as estratégias globais da política externa americana, não favorece a criatividade (e as oportunidades) de elaboração de novas opções e atira irremediavelmente a Europa para uma medíocre subalternidade, comprometendo o seu papel no Mundo.

Quando se ouvem tonitruantes afirmações e declarações, oriundas da Administração norte-americana, acerca da existência (ou da necessidade) de uma Europa forte e coesa link e simultaneamente se registam as hesitações de Hollande e Merkel é difícil não recordar uma grande figura da história da Europa no pós-Guerra. 
Trata-se de Charles de Gaulle que defendeu convictamente uma Europa com uma vasto âmbito geopolítico ‘do Atlântico aos Urais’ e sempre questionou – até à retirada da França em 1966 - as opções estratégicas políticas e militares da NATO, desenhadas a regra e esquadro por Washington, porque as considerava como erróneas em termos conceptuais e, ainda, como tendo insuportáveis custos políticos para os reais interesses europeus.

Hoje, com a ‘nova ordem mundial’, surgida após a ‘guerra fria’, as elaboradas e convictas opções estratégicas do velho general, para a Europa (o Brexit é um exemplo acabado disso), necessitariam, obviamente, de actualizações e de adaptações mas, no essencial, assentam sob pressupostos ainda válidos.

De Gaulle durante a última semana deve ter dado voltas na tumba onde jaz, na pequena comuna das Ardenas, em Colombey-les-Deux -Églises.

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