Um novo (alargado) 'eixo europeu': Berlim, Paris e Roma?


O facto de existir uma profunda percepção de que a Europa está numa encruzilhada histórica não parece ser um assunto controverso. O aprofundamento da crise europeia é notório e avaliação desse estado surge sob a forma de um trágico consenso. As divergências ocorrem quando se escalpeliza as razões que conduziram a esta situação.

Neste contexto, o ‘Brexit’ é o último e relevante acontecimento que se encaixa numa sucessão de desaires. Ao menos que tenha a virtude de despoletar uma frontal discussão entre os dirigentes e cidadãos europeus que desde há muito tem primado pela inexistência.

O destino da Europa não pode – mais uma vez – ficar circunscrito ao Conselho Europeu onde a relação de forças está inquinada por iniquidades do desenvolvimento e os consensos são ‘martelados’ sob ameaças do sistema financeiro (vulgo ‘mercados’).

A discussão terá obrigatoriamente de deslocar-se para os terrenos políticos. E dificilmente conseguirá evitar partir do pressuposto de que, ao longo de toda a última crise (2008), todas as opções têm a chancela da Direita (do Partido Popular Europeu). Portanto, nesta discussão não existem ‘inocentes’ e a táctica dos repetidos endossos aos ‘perdulários prevaricadores’, quase sempre conotados com uma Esquerda, com o Sul e a periferia, i. e., a ambientes destroçados e marginalizados, têm de ser revista, reequacionada e alterada.

Hoje é notório que a Europa não avaliou correctamente a crise financeira (ver instabilidade do sector bancário), não foi capaz de dar uma resposta consequente à crise económica (recessões, desemprego e crescimentos anémicos) e afunda-se em contradições políticas [internas e externas] de vária ordem que têm favorecido, por todo o lado, a Direita nacionalista, xenófoba e caceteira.
De nada serve ignorar os cidadãos europeus e continuar a insistir nas fórmulas prescritas pela Direita europeia (Tratado Orçamental, papel do Banco Central, união monetária, resgates, etc.) até que o cansaço, o empobrecimento galopante e a fome tenham inimagináveis consequências. Isto é, sejam capazes de a destruir. Toda a gente sabe que a incapacidade de reformar conduz a rupturas sociais incontroláveis.

Quando, excepcionalmente, os cidadãos são chamados a opinar – quase sempre através de enviesadas consultas referendárias – surpreendem constantemente (os eurocratas). Uma das razões reside neste simples facto: a Direita neoliberal para ‘governar’ a Europa tentou trucidar a Esquerda (socialista e social-democrata). Engoliu, ou tentou fazer abortar, todos e quaisquer tipos de alternativas insultando e vilipendiando os diversos proponentes [colocados à Esquerda do espectro dos 'populares europeus'].
Na saída do ‘Brexit’ vão tentar repetir a receita. Com pequenas nuances que carecem de uma prudente leitura.

Pela primeira vez existe uma pequena alteração que não deverá passar despercebida. Merkel decidiu envolver directamente a Itália (Matteo Renzi) nas discussões do ‘pós-Brexit’ link, realizadas em Berlim, nos dias imediatos ao referendo britânico, desvalorizando abruptamente o ‘eixo Paris-Berlim’, tradicional e rígida antecâmara na definição das políticas europeias.

Esta ‘surpresa’ - o alargamento do 'eixo' - para os que supunham que a saída da Grã-Bretanha da UE reforçaria o entendimento directo franco-alemão e daí resultaria mais força a essa liderança tradicional, acabou por introduzir algo de novo na política europeia (tão parca em novidades). Uma 'viragem' incipiente, como se entenderá, mas algo que não deve ser ignorado.

No próximo Conselho Europeu (3ª. feira) vamos estar atentos a eventuais repercussões indiciárias de mudança ou, em alternativa, ao revivalismo do habitual ‘statu quo’.

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