O inefável Vasco Graça Moura II

Para além da polarização ideológica, VGM demonstra, no artigo referido pelo post do Carlos Esperança, falta de conhecimento- ou polarização confirmatória (um erro cognitivo ou falácia que se verifica quando se seleccionam apenas os factos que confirmam a tese que se está a defender, descartando aqueles que não a suportam)- sobre a história política dos EUA.

Afirmar, de forma tão categórica, que os principais marcos da emancipação dos afro-americanos se têm historicamente atribuído ao Partido Republicano e não ao Partido Democrático, ignorando a evolução ideológica histórica dos dois partidos, é um erro crasso (ou uma falácia). Até meados do século XX, o Partido Democrata situava-se no quadrante da direita anti-federalista americana, sendo a sua base de apoio eleitoral a população dos estados agrários, religiosos e segregacionistas do Sul e do Midwest. Lentamente, a partir de 1912, reposiciona-se ideologicamente ao centro esquerda, liberal nos costumes, e intervencionista na economia. Esta "troca de papéis" consolida-se com o Crash de Wall Street de 1929 e com o New Deal de Roosevelt, passando os Democratas decididamente à esquerda do espectro político. A troca de papéis finaliza-se com a implementação das políticas económicas neoliberais de Friedman e da Escola de Chicago pelo Partido Republicano durante a presidência de Nixon e de Reagan. Os republicanos conquistam  eleitorado conservador, religioso e agrário, e os democratas o eleitorado urbano.

Ora, atendendo a este reposicionamento ideológico, é absurdo comparar o partido republicano do século XIX, progressista, federalista e humanista, com o actual cocktail "conservadorismo evangélico+National Rifle Associaton+neoliberalismo económico" que caracteriza o "Grand Old Party" desde Nixon, passando por Reagan e culminando com Bush I e Bush II. Tal como é absurdo comparar o partido democrático do século XIX, anti-federalista, esclavagista e segregacionista, com o actual posicionamento ideológico libertário, progressista e social que caracerizou Kennedy, Carter ou Clinton.

VGM é comentador semanal de um dos principais diários portugueses de referência. Tem a obrigação de fundamentar melhor as suas opiniões. Estaria melhor a ler um livro sobre história dos EUA, escrito por um historiador norte-americano, do que a ancorar-se num artigo de um autor francês, no jornal francês Le Figaro (de direita gaulista, pois claro). Isto faz-me lembrar o estudante menos diligente que, não querendo digerir o manual da cadeira, se fica pelos resumos do marrão da turma. VGM, poeta e tradutor de renome internacional, tem demasiada categoria para limitar a sua fundamentação a vulgatas.

VGM conclui o seu artigo salientando que a eleição de Obama pode sair muito cara à Europa, e que "felizmente" parece que McCain vai ganhar. Desde as alusões de McCain ontem a um alegado défice democrático na América do Sul, palpita-me que VGM padece de excesso de optimismo... mas enfim la droite oblige...

Comentários

Rui Cascao:

VGM é um almocreve do cavaquismo que não tem emenda.

No entanto este seu post é útil para se perceber historicamente a hostilidade dos democratas a Bertrand Russel (que foi proibido de ensinar nos EUA por ser ateu, enquanto teve a defesa de republicanos.
andrepereira disse…
é bom que estes senhores de direita admitam que votariam em McCain e que teriam votado Bush e que assumam, definitivamente, que pactuaram e pactuam com as maldades e os horrores que o governo americano tem espalhado pelo mundo e pelo seu país desde 2000.
Eles - os opinadores da direita portuguesa - também são responsáveis pela miséria moral em que deixaram cair o mundo ocidental.

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