O 107.º aniversário do CADC
Tenho pavor aos adjectivos que qualificam a democracia, nomeadamente os de natureza confessional, embora o Islão abomine também o substantivo, embirração que abrange o álcool, a carne de porco, a apostasia e outros legítimos prazeres com que o cristianismo já parece conformado.
Na comemoração do seu 107.º aniversário, o Centro Académico da Democracia Cristã (CADC) desfiou memórias e evocou nomes para provar que “a democracia, a luta pelas liberdades e a fé católica são compatíveis”, verdade de que há provas, mas de que são escassos os indícios no seio da centenária agremiação.
O combate a Salgado Zenha, quando presidente da Associação Académica de Coimbra, não abona o júbilo com que Manuel Porto e Jorge Biscaia, mais conhecidos na piedade do que na luta pelas liberdades, comemoraram a efeméride, citando Lurdes Pintasilgo e Sousa Franco para legitimarem o D que a sigla exibe e o passado desprezou.
Os esqueletos incómodos, Salazar e Cerejeira, jazem no armário da memória e exigem um acto de contrição em vez da celebração. Quem lutou contra a ditadura, que o CADC guarnecia com os seus mais distintos elementos, esperava a penitência em vez do júbilo e um requiem em lugar da missa de acção de graças que soe assinalar o aniversário.
Ao contrário dos católicos da Capela do Rato, que assumiram a condição de crentes na luta contra a tirania e a guerra colonial, o CADC foi esteio do mais longevo ditador do século passado em toda a Europa.
A conferência de segunda-feira, em Coimbra, lembrou mais um aniversário e procedeu ao usual exercício de branqueamento da sua história, omitindo a vocação totalitária inscrita na matriz genética.
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