PR e o Estatuto dos Açores (2)
A comunicação de Cavaco Silva ao país, a propósito da promulgação do diploma que lhe mereceu dois vetos políticos, é uma declaração de guerra ao Parlamento.
Cavaco não perdeu a razão mas terá perdido a compostura. Não perdeu poderes, como alega, apenas fica obrigado a conceder uma audiência antes de dissolver a Assembleia Regional. Não fica limitado, só adiciona um incómodo.
A Assembleia da República, sim, prescindiu de poderes com duvidosa legitimidade, o que é inaceitável no plano político e – ver-se-á – no plano constitucional.
Compreende-se mal a solidão a que a Assembleia da República votou o PR, sem um único voto contra o diploma, mas é tão estranha a censura do PR ao Parlamento como seria a deste ao Presidente. A solidariedade institucional não tem um sentido único e, enquanto o Presidente pode dissolver a AR, esta não pode destituí-lo. Também por isso, dispensava a ameaça.
Não tendo o PR dissolvido a AR, nem se tendo demitido, perante a gravidade que referiu, criou um clima de guerrilha gratuito entre dois órgãos da soberania e causou ao país escusada comoção.
Fica por explicar o facto de Cavaco não ter suscitado a inconstitucionalidade das normas que lhe mereceram reparo, levando para o campo exclusivamente político divergências que se aceitam na luta partidária e que se esperava ver arredadas do órgão uninominal.
A comunicação apocalíptica, sem a habitual saudação aos portugueses, deslocou o PR para a luta partidária. Triste com o estado comatoso do seu partido, assumiu a liderança política da oposição extraparlamentar. É mau sintoma para o ano de todos os perigos que se avizinha.
Cavaco não prestou um bom serviço aos portugueses mas, sejam quais forem os seus propósitos, é dever de todos ajudarmos o Presidente da República a terminar o seu mandato com dignidade.
Ponte Europa / SORUMBÁTICO
Comentários
Claro que eu entendo a sua arte queirosiana de escrever...
Mas o que realmente seria bom para a República era que António Guterres voltasse depressa para desempenhar aquelas funções a partir de 2011!
Só faltou chamar-lhe um "golpe de Estado parlamentar".
Como se caí, facilmente, na obsessão.
Espero que no dia em que o Estatuto dos Açores for publicado no DR, não tenhamos de ouvir novamente o PR sobre este assunto.
Basta!
Escrevia Hemingway:
"O segredo da sabedoria, do poder e do conhecimento é a humildade".
O CE desta vez excedeu-se na comiseração. Então o homem, o PR, pensa que temos todos de ter a opinião dele? E porque não ao contrário? Não seria mais lógico que fosse ele a ter a opinião da maioria?
E então aquela de não gostar de opiniões partidárias faz lembrar passagens de discursos doutro tempo...e doutro actor político.
MFerrer
RE:
Caros André e MFerrer:
Devemos ajudar Cavaco Silva a terminar o mandato com dignidade.
Uso as palavras dele a respeito de Mário Soares cuja visão e postura de Estado não têm comparação.
É preciso preservar a dignidade do cargo apesar do titular.
Não é obsessão, é dever cívico.
Não acho que seja uma obsessão, é apenas um mote (bem forjado, aliás) dos seus textos sobre o presidente Cavaco Silva!
Porém, quando nos vemos ao espelho, achamo-lo - sem grande sobressalto, naturalmente. Há, no entanto, quem se deleite na contemplação dele e considere que é, se não o único, pelo menos o mais bonito.
Cavaco Silva faz parte, penso, deste grupo de autoadoradores do respectivo umbigo. E, pelos vistos, nem necessita de espelho.
Era a rainha-bruxa que, na estória da Branca de Neve, consultava diariamente o seu espelho, que, aliás, era mágico. «Espelho meu, espelho meu, diz-me se há no Mundo mais bela do que eu...»
Nem precisando de espelho, para o Chefe do Estado não existem dúvidas: o seu umbigo é o mais belo. O que é natural num cidadão que nunca se engana, disse ele. Ou algo assim, recordo.
Caro Carlos
Não é preciso que todos ajudemos o PR a terminar o seu mandato com dignidade. Deixemos, tão-só, que o tempo decorra. E o mandato acaba. Excepto se ficar fora do prazo de validade.
Um 2009 pelo menos aceitável.