ALGUMAS IDEIAS ABSOLUTAMENTE DISPARATADAS
Num artigo com o título de “Algumas Ideias Absolutamente Impopulares”, Miguel Sousa Tavares, no Expresso” de ontem, veio, com o seu estilo próprio, subscrever e reforçar as diatribes do governo e da direita mais reacionária contra a Constituição, o Tribunal Constitucional e o acórdão que declarou inconstitucionais algumas normas do Orçamento.
No seu habitual tom hiperbólico, espraia-se por uma longuíssima página do jornal num discurso desconchavado e quase delirante, em que profere uma série ininterrupta de inconcebíveis disparates.
Começa por dizer que não gosta do hino da República – “ridículo e patético” – nem da bandeira da República – “a mais feia do mundo” – (deve gostar mais da bandeira azul e branca com a real coroa) nem da Constituição da República – “texto irresponsável, abusivo e tão grandiloquente quanto pretensioso”.
Acha que a Constituição é demasiado grande. Segundo ele, a Constituição devia consagrar apenas a liberdade e a democracia – “e isso caberia em cinco artigos”.
Ora qualquer constituição de um país normal não pode deixar de dizer quais são os órgãos do poder político – no caso português o Presidente, a Assembleia, o Governo, os Tribunais, as Regiões Autónomas, as Autarquias –, definir as suas competências e o seu modo de constituição. Tem ainda, pelo menos, de regular o modo como a Constituição pode ser revista. A nossa consagra a essa matéria 182 dos seus 296 artigos (e não 294 como ele diz) – e não são demais. Mas por muito que se sintetizasse, seria obviamente impossível meter tudo isso em cinco artigos.
Mas o que mais irrita MST é que, segundo ele, a Constituição garante demasiados direitos aos cidadãos. Diz o consagrado articulista que “há, na Constituição, 95 artigos que garantem toda a espécie de direitos a todos (…), mas não há um só artigo que estabeleça um dever aos cidadãos.” Ou ele tem uma edição apócrifa da Constituição ou estava muito distraído quando a leu (se é que leu…). Com efeito, a Parte I da Constituição, relativa aos “Direitos e Deveres Fundamentais”, tem apenas 68 artigos – e não são demais. Por outro lado, como da epígrafe dessa Parte I resulta, não se trata só de direitos, mas de “direitos e deveres”. Por exemplo: o artigo 36 dispõe que “Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.”; o artigo 49 estabelece que “O exercício do direito de sufrágio é pessoal e constitui um dever cívico.”; na parte que regula o sistema fiscal está implícito que os cidadãos têm o dever de pagar impostos; no art. 113 n.º 4 diz-se que “Os cidadãos têm o dever de colaborar com a administração eleitoral”; o artigo 276 prescreve que “A defesa da Pátria é direito e dever fundamental de todos os portugueses”, e enumera uma série de deveres relativos ao serviço militar.
Para MST, bastaria pois que a Constituição consagrasse a liberdade e a democracia. E, no seu caso pessoal, seria realmente suficiente que a Lei Fundamental consagrasse o direito à livre expressão do pensamento, isto é, o direito de ele perorar livremente na televisão e escrever livremente nos jornais. Dos outros direitos – à saúde, à educação, à habitação – ele não precisa. Como é muito rico, basta-lhe o seu dinheiro para se tratar nas melhores clínicas, pôr os filhos nos melhores colégios, comprar luxuosas casas em Lisboa ou em Cascais e herdades no Alentejo para ir à caça. Os direitos à saúde, à educação e à habitação só interessam aos pobres. E são esses mesquinhos direitos dos pobres que, para o refinado gosto de MST, tornam a Constituição inestética.
( a continuar)
Comentários
Desta vez melhor seria ter estado quieto com a pata.
De facto, entre a originalidade e o disparate a fronteira é, por vezes, muito curta.