Esta é a noite que trouxe no ventre a madrugada
Esta noite não é para dormir, é para esperar a madrugada em que floriram, nos canos das espingardas, cravos. É a vigília amarga que aguarda o doce alvorecer do dia em que um punhado de capitães resgataram, de 48 anos de tirania, a Pátria secular.
Estou a 14 km da fronteira onde o capitão Augusto Monteiro Valente havia de chegar para prender os pides que logo apagariam os cigarros com que queimavam as vítimas e poria termo aos gritos que ecoavam da fronteira até à estação dos caminhos de ferro.
A esta hora verificava, talvez, a pistola que usaria para avisar o comandante do RI5 de que o comando deixava de lhe pertencer e ia ficar preso às ordens do MFA. A esta hora o capitão, sozinho, apenas com a coragem dos bravos e a determinação dos heróis, não pensava em palavras, tinha consigo a fé inquebrantável dos patriotas.
Daqui a pouco, há 39 anos, o capitão que este ano já não nos acompanha, esse capitão que levaria até à fronteira a bandeira da insurreição e o sonho da liberdade, estaria a convocar soldados, sargentos e oficiais milicianos para o acompanharem na aventura em que tudo arriscavam, incluindo a vida.
«E depois do adeus», partiria pela sinuosa estrada que ligava a Guarda a Vilar Formoso, responsável pelo destino dos homens que o acompanhavam, como responsável fora na Guiné donde não pôde regressar com vários dos que levara.
Na noite de hoje não sei o que pensaste, amigo, eras tão avaro nas palavras do feito heroico que te coube, tão parcimonioso no papel que desempenhaste, tão tímido da grandeza que trazias e da memória que guardavas.
Nesta noite, caro Augusto, também eu, só, nesta casa que os meus pais deixaram vazia, penso que a vida tem a dimensão dos nossos atos e não do tempo que nos cabe.
Espero que, apesar das horas amargas que hoje vivemos, continuasses a orgulhar-te, no teu silêncio sobre a noite que hoje evocamos, das horas em que fizeste História na mais bela de todas as madrugadas, na mais generosa de todas as Revoluções, na mais heroica de todas as operações militares.
Não estranhes que a saudade de ti que ora me corrói seja o testemunho que darei a todos os democratas que amanhã, depois da visita ao monumento ao 25 de Abril, se vão reunir no almoço comemorativo da data que ajudaste a destacar do calendário da História.
Até sempre, capitão!
Viva o 25 de Abril!
Viva Portugal!
Ponte Europa / Sorumbático
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