Cinismo e Guerra

O Governo de Israel lançou agora os ataques ao Hamas, na Faixa de Gaza, sobretudo, pelas seguintes razões:
- ganhar popularidade e tentar vencer as próximas eleições;
- destruir a força militar crescente do Hamas;
- tentar reconstruir o xadrez político na Palestina, destruindo o Hamas e reerguendo as forças moderadas como aqueles com quem pode dialogar;
- mostrar a Obama que o desequilíbrio de forças no médio oriente continua toldado a seu favor;

O Hamas procurou esta guerra com os seguintes objectivos:
- unir o povo da Palestina em torno do seu projecto fanático;
- conseguir apoios políticos no mundo árabe;
- afastar as atenções do mundo para o desenvolvimento do arsenal nuclear no Irão;
- impedir qualquer esforço de paz e de negociação.

Que desfecho para esta guerra?
Se o exército israelita entrar em Gaza teremos um caos sem precedentes, com uma guerrilha urbana com mais de 700.000 crianças, 350.000 mulheres e mais de 50.000 idosos a fugir entre os escombros, a ser usados como escudos humanos a ser glorificados como vítimas para as televisões internacionais.
Eventualmente o exército de Israel conseguiria aniquilar grande parte dos operacionais do Hamas, mas nunca a cúpula, que fugiria por túneis para o Egipto e daí para a Síria ou o Irão.
No curto prazo seria uma vitória de Israel, mas apenas uma vitória de Pirro.

Se Israel não invadir Gaza, teremos umas tréguas simpáticas, Olmert despede-se em glória afirmando que defendeu o povo israelita dos ataques do Hamas, e dentro de meses tudo voltaria ao mesmo.

Não há então solução à vista?
O “status quo” é uma hipótese de que muitas vezes nos esquecemos. Mas é talvez a preferida em Israel. Perante a impossibilidade de uma paz duradoura e segura, de um Estado da Palestina que não seja um covil de terroristas que desejem “deitar todos os judeus ao mar”, o povo israelita vai aceitando este estado de coisas, como um habitante de uma metrópole sul-americana aceita a guerrilha urbana, que – aliás – causa mais vítimas do que o conflito em Israel….
É cínico e imoral pensar assim?
Será, mas se visitarem Israel compreenderão que esse é o estado de espírito dominante nos últimos anos, desde a violação (por parte de quem?) dos acordos que Clinton promoveu.
Entretanto a Palestina está a rebentar pelas costuras. Já nem precisamos considerar os milhões de refugiados. Naquela terra minúscula de Gaza vivem 1.500 milhões de pessoas; na Cisjordânia, terra inóspita e sem água, não há condições de criar um Estado viável.
Há solução?
Sim, há muitos projectos de solução! Muitos livros, muitos acordos, muitas teses.
O problema é que não há vontade!
Israel acomodou-se ao “status quo”; os palestinianos enveredam pelo radicalismo ou pela pura sobrevivência; os vizinhos árabes não querem assumir compromissos e ajudar o “povo irmão” palestiniano. Continuam a não reconhecer direitos aos refugiados (excepto em certa medida na Jordânia), a defender que todos (incluindo a numerosa descendência dos refugiados de há décadas) devem voltar para a Palestina! Os árabes ricos do Golfo pérsico vão aproveitando aquela mão-de-obra barata de apátridas, sem Estado, sem nação, sem ninguém que os proteja.

Cinismo miserável. Sim!

Que pode a Europa fazer?
Sarkozy está na Baía de férias com a sua esposa e o seu sogro; promovendo negócios de armas e outros para a indústria francesa. Já quase terminou o seu mandato; falta-lhe legitimidade para fazer o que quer que fosse.
Da República Checa pouco podemos esperar: embrenhados em disputas constitucionais entre o Governo e o Presidente sobre quem deve assumir a presidência da União Europeia, sem visibilidade, sem História nas relações internacionais…
Enfim, uma prova mais de que faz falta uma Europa política! Uma Europa com um Presidente, com um Ministro dos Negócios Estrangeiros, com um orçamento muito maior!, com uma unidade militar de elite, com uma CONSTITUIÇÃO., etc., etc., enfim tudo aquilo que muita extrema-esquerda anti-israelita (anti-sionista e anti-semita(sim, anti-semita!)) não quer.

Querem ter voz em Israel com poesia ou com cânticos pacifistas…
Pura ilusão, ou supremo cinismo!

Comentários

e-pá! disse…
Caro André:

Na situação que se vive, hoje, no Médio Oriente, defender o status quo, é uma atitude inconcebível...

Relativamente ao dilema sionismo/semita, recuemos a 1967.
Dr. Martin Luther King Jr. escreveu: "o anti-sionismo é inerentemente anti-semita".
Hoje, a interpretação histórica poderá ser diferente. Sabemos mais.
Mas esta, não é a altura para polemizar conceitos.
É tempo de agir pela Paz.
Contra o status quo que, cada dia que passa, provoca mais vitimas e só beneficia os poderosos (nomeadamente o poderio bélico).
É um modelo de guerra surda... e suja, em que o Exército é substituído pelo serviços secretos, promove-se o boicote económico, estabelecem-se redis concentracionários, i.e., tenta-se vergar um povo pela fome e pela miséria.

As atitudes a tomar, por ambas as partes, foram definidas ontem em conferência de Imprensa, pelo Secretário-Geral da ONU:
TRÉGUAS JÁ!
andrepereira disse…
Evidentemente, eu não defendo o status quo!
Tréguas já!
Respeito por todas as resoluções do Conselho de segurança, Estado da Palestina para breve; segurança e paz em Israel, etc. etc.
O que quero é denunciar que não bastam palavras vãs. Era preciso mais poder político e militar da Europa para se chegar a algum lado.
Mais responsabilidade e credibilidade dos líderes árabes e menos anti-sionismo do Irão. Porque o anti-sionismo em si é um mal! Quem não reconhece que o povo judeu tem o direito de viver em Isarel, com as fronteiras de 1967 não é a favor da paz!
«Porque o anti-sionismo em si é um mal!»

Caro André:

O anti-sionismo não é um mal, é uma atitude contra o expansionismo judaico. Legítima, no meu ponto de vista.

Já o anti-semitismo, cristão e muçulmano, é verdadeiramente execrável. Foi ele que conduziu aos fornos crematórios.
2009 - COIMBRA CIDADE DO CONHECIMENTO:

http://www.petitiononline.com/00005/petition.html
É sem dúvida preciso uma Europa mais forte, mas também uma ONU mais forte e actuante. Quase tudo o que de mau se passa no Médio Oriente - a guerra, os regimes teocráticos, as torturas, a desigualdade entre homens e mulheres, as lapidações, os "crimes de honra", etc.- é expressamente proibido pelo direito internacional, a começar pela Carta da ONU, que todos os membros desta assinaram e que a todos vincula, sobrepondo-se inclusivamente aos direitos internos de cada país. O que falta é um "braço armado" para impor aos membros da ONU o respeito pelo direito internacional a que estão voluntariamente vinculados.
Rui Cascao disse…
Bravo André, não poderia ser melhor dito. No entanto, o status quo aconselha algum pessimismo. Os EUA apoiam e apoiarão incondicionalmente Israel, enquanto a Europa, por muito unida que alguma vez venha a ser, nunca tomará posição contra Israel, devido ao seu indelével complexo de culpa por causa do Holocausto. A "Shoah" decorreu na Europa, pelo braço da Alemanha Nazi, mas com o auxílio, muitas vezes espontâneo, das populações dos países ocupados e aliados(salvo algumas excepções como a Dinamarca, em que a população auxiliou espontaneamente em massa a fuga dos judeus para a Suécia, e a Finlândia e a Bulgária, que sendo aliados do Reich, protegeram as suas populações judaicas), facto que elimina qualquer peso político que a UE alguma vez possa vir a ter nesta questão. Para mais, Israel tem um trunfo muito poderoso na manga: a bomba atómica.

Quanto à velha questão do anti-sionismo e anti-semitismo: anti-semitismo é normalmente empregue, frequentemente de forma errada, para definir condutas xenófobas contra judeus. O conceito "semita" surge em finais do século XVIII, introduzido pelo linguista alemão Schlözer para caracterizar o grupo de línguas que abrange, entre outras, o árabe, o hebraico, o etíope, o aramaico (e o maltês, que é língua oficial na UE). Em meados do século XIX, o conceito é empregue por De Gobineau, para fins de propaganda xenófoba, que posteriormente se tornou lugar-comum nas várias filosofias racistas e fascistas desde então.
Ora, sendo os árabes semitas, não poderão nunca, logicamente, ter condutas anti-semitas contra os judeus. Este é um erro comum muitas vezes cometido por políticos e jornalistas.

O uso do termo anti-sionista é mais complexo. Em que consiste concretamente o sionismo? Na alegada conspiração sionista que frequentemente serviu de pretexto para pogroms e massacres e que ainda convence muitas pessoas por este mundo fora? Ou outrossim num mecanismo organizado de solidariedade entre judeus no sentido de preservação da sua etnia e construção de um Estado judaico?
Ora, na realidade, há várias correntes no sionismo, umas mais inclusivas, outras mais elitistas (Israel para os israelitas vs. Israel para os judeus). Algumas pacifistas, outras belicistas. Umas laicas, outras ultra-religiosas.
Todas estas matizes encontram ressonância na política israelita: entre o sionismo pacifista, esquerdista, laico e inclusivo do partido "Meretz" e o sionismo fundamentalista religioso e belicista do "Yisrael Beiteniou" e do "National Religious Party".

Parece-me que, o sionismo não é intrinsecamente mau. Tem aspectos positivos: permitiu a um povo perseguido e quase exterminado organizar-se e constituir-se num Estado viável. Foi e é um instrumento ideológico essencial para a construção do Estado de Israel, uma das suas traves-mestras. No entanto, algumas tendências do sionismo são perigosas e merecedoras de crítica: o já referido sionismo expansionista, religioso e belicista. Concordo com o André quando diz que o "anti-sionismo é em si um mal": o que é preciso combater não é o sionismo, mas sim o belicismo, o expansionismo e o fundamentalismo religioso- e condenar esses fenómenos- sem recorrer a etiquetas panfletárias e lugares comuns tais como "anti-semitismo" e "anti-sionismo".
andrepereira disse…
O problema das palavras e dos conceitos é que precisam sempre de uma dicionário explicativo e esse pode ter cunhos muito pessoais ou subjectivos.
O sionismo é um pensamento nascido na segunda metade do século XIX, quando as comunidades judaicas residentes na Europa perceberam que o anti-hebraísmo estava em crescendo em vários países. Pensaram esses líderes judaicos (destacando-se Theodor Herzl) que era necessário reagrupar os judeus de todo o mundo e regressar a Israel.
E começaram a fazer isso! Compraram terras, fizeram Kibutzes (verdadeiras comunidades de socialismo utópico), foram "ocupando” a Palestina.
Ora, resumindo, sionismo, para mim, é este originário: o desejo de construir um Estado, na Palestina, onde os judeus possam viver juntos e em paz. Isso não implica afastar os palestinianos da sua terra; antes a sua justa divisão, nos termos de 1948 e 1967.
Anti-sionismo significa, pois, a negação do Estado judeu, a negação de Israel. Significa o regresso a 1947.
Tenho, obviamente, consciência, de que o conceito sionismo se foi alargando e ganhou um cunho mais radical e deveras xenófobo, racista e anti-árabe. Mas, se é verdade que essa adulteração do conceito resulta em muito das forças extremistas e radicais judaicas, a verdade é que ele tem vindo a ser (ab)usado e foi apropriado pelas forças radicais islâmicas e nazis (que ainda as há...!), para colocar em causa a própria fundação de Israel.
É contra essa adulteração que me bato. Porque é desse erro de pressuposto que resultam muitos equívocos e não se consegue chegar a um consenso e a uma paz duradoura.
Rui Cascao:

Peço-lhe para publicar o comentário como post.

Bom 2009.

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