Aníbal ou as infalibilidades de um amestrado constitucionalista…

Hoje, deambulando pelas marmóreas pedreiras alentejanas e pelos vinhedos de Borba, o Presidente da República resolveu dar uma aula de direito constitucional. Em espécie de 'feira' estremenha resolveu apregoar a venda da imagem de um homem providencial (...que raramente tem dúvidas e nunca erra). 'Uma canseira', lá diriam os alentejanos.

Há uns tempos atrás, salientou, para conseguir a sua eleição, ser um homem com formação em economia o que poderia ajudar o Governo (não o da altura da sua eleição mas o que viesse a seguir) nas dificuldades de gestão da crise económica e financeira em que estávamos (e continuamos) metidos. Hoje, os portugueses conseguem aquilatar do valor e dimensão dessa ajuda.  Perante a confrangedora nulidade do seu contributo virou-se agora para o campo da ‘pedagogia constitucional’. Também neste terreno (onde lhe cabem particulares responsabilidades) as suas ‘virtuosas’ capacidades ficaram demonstradas perante os portugueses.

Tendo despudoradamente deixado passar pelas suas mãos várias leis orçamentais que se revelaram inconstitucionais não mostrou qualquer capacidade aquisitiva com os erros, mostrou-se incapaz de emendar a mão e revelou total inaptidão para tirar as consequências políticas que a situação exigia. Só teve ‘coragem política’ de suscitar a análise preventiva da constitucionalidade quando o Governo lhe impôs que o fizesse.
Das outras vezes, ou contemporizou com os desmandos constitucionais governamentais enredando-se em (parcas) fiscalizações sucessivas tentando criar factos consumados de difícil resolução, ou declarou (assinou) que tudo estava conforme facto que o órgão constitucional competente – o Tribunal Constitucional - viria a corrigir.

Não foi boa a prestação em relação à sua ‘sensibilidade constitucional’, nem pode arvorar a medalha de ter cumprido com rigor e competência a sua função de vigilante e guardião constitucional.
Era, portanto, bem dispensável a arrogância de mandar fazer aos outros o trabalho de casa quando a sua própria casa tem telhados de vidro ou, apresenta-se, aos olhos dos portugueses, visivelmente ’alagada’.

Agora tenta impor-se como um paladino do cumprimento da Lei Eleitoral link
Há pouco mais de ano não teve os pruridos que hoje exibe quando sugeriu um acordo governamental em troca da antecipação das legislativas. Eram, de facto, outros ‘trabalhos de casa’. Diz que arrecadou as actas dessas reuniões por si promovidas e denominadas de ‘salvação nacional’, um estratagema que urdiu para prolongar (e não resolver constitucionalmente) uma profunda crise política e governamental que exigia a dissolução da AR e a demissão do Governo. 
Acabou por solucioná-la a seu modo: - mais do mesmo. Esperemos que o desfecho e as suas consequências esteja apenso às actas.

Mas deixando de lado as questões estritamente constitucionais que agora se transformaram na sua âncora formal e olhemos para as questões políticas. 
O actual PR perante problemas de calendário eleitoral e a sua concertação com o funcionamento de outros poderes de Estado, como p. exº. a AR, começou - desde logo - por condicionar o futuro Governo. O governo saído das eleições legislativas ao que tudo indica a realizar em Setembro/Outubro de 2015 deverá, segundo a sua opinião, ter um apoio maioritário no Parlamento link
No caso de nenhum partido obter a maioria dos votos dos eleitores – o que parece ser o mais provável – corremos o risco de, em Janeiro de 2016 (quando deveria entrar em vigor o OE) não existir Governo empossado e em funções e muito menos um Orçamento esboçado. Provavelmente só haveria um novo Governo depois das eleições presidenciais de 2016.
As leituras constitucionais de Cavaco Silva, de facto, empurram o País para um bloqueio institucional que rapidamente se revelará altamente lesivo para a Democracia.

Mas a actual e formal postura do PR não tranquiliza o País quanto à sua função de guardião da Constituição da República. Quem se escusou a promover a verificação constitucional preventiva de leis orçamentais que buliam arbitrariamente com o rendimento, o emprego e a vida de muitos portugueses, invocando a imperiosa necessidade de o OE-2014 entrar em vigor no dia 1 de Janeiro, convenceu os cidadãos que só se agarra à Constituição, por conveniência partidária ou por tacticismo político.
 O que era verdade em Dezembro de 2013 e o levou a afirmar que “ … O que posso dizer é o princípio pelo qual normalmente me rejo nestas situações: eu faço uma avaliação cuidadosa, recolhendo o máximo de informação sobre os custos de um orçamento não entrar em vigor no dia 1 de janeiro e os custos que resultam de, eventualmente, uma certa norma ser considerada inconstitucional já depois de o orçamento estar em vigor…link  deixou de o ser no ano de eleições legislativas. 
Isto é, no terminus do mandato desta maioria as avaliações políticas e as considerações constitucionais mudam. Em Dezembro 2013, a Constituição deveria ‘ajoelhar-se’ às soberanas razões orçamentais e, em Novembro 2014, pensa precisamente o contrário em relação a Orçamentos futuros.

Existe um outro cenário possível: o PR poderá estar a ‘cozinhar’ uma solução para ultrapassar uma eventual derrota da actual maioria. Não valorizar os resultados eleitorais de 2015, em claro desrespeito pelo ordenamento constitucional vigente. Dada a gravidade deste quadro mais vale ignorá-lo.

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