Pareceres, alienações e ‘inundações’ (que brotam de Coimbra e ameaçam o País) …


Há alguns dias (07.11.2014) surpreendeu-me um artigo de Vasco Pulido Valente, na última página do Público, onde afirmava que nunca tinha apreciado a Universidade de Coimbra enumerando um rol de razões. Pensei tratar-se de um resquício 'anti-corportativo' ou, melhor, de ancestrais rivalidades entre Faculdades, que são recorrentes entre Coimbra e Lisboa (sempre à sombra de cargas bairristas, políticas e ideológicas), mas esta revelação pareceu-me relativamente exagerada e marginal, como é habitual na prosa do referido professor universitário, também articulista, e face à gravidade do assunto que o artigo de opinião tratava (‘A Grande Reforma da Universidadelink) esqueci o insólito ‘desabafo’.

Hoje, relembrei a (marginal) referência quando, ontem, na audição parlamentar sobre o caso BES, o Governador do Banco de Portugal afirmou que 3 catedráticos da Universidade de Coimbra (Professores Calvão da Silva, Vieira de Andrade e Pedro Maia link) tinham produzido um parecer sobre o carácter de Ricardo Salgado como banqueiro, a solicitação do presidente do malogrado e insolvente banco, para serem entregues ao organismo supervisor da actividade bancária em Portugal e assim permanecer no cargo e na função.

Deixando de lado a apreciação e o julgamento da atitude do Prof. António Justo (director da Faculdade de Direito da UC - FDUC) que, ao proibir um debate sobre “ideologias no mundo actual”, ajoelhou-se respeitosamente perante o seráfico e jesuítico conceito de tornar (manter) o campus universitário uma ‘torre de marfim’, aparentemente alheia ao Mundo e dedicada ao formalismo e à ascética meditação, esta nova revelação (caso BES), sobre os 'préstimos' da actividade universitária é, no mínimo, inquietante.

Percebe-se que existe uma subterrânea inflexão na actividade dos docentes que profissionalmente deveriam dedicar-se à missão de ensinar Direito. Negar a evidência de qualquer carga ideológica na elaboração das leis e sobre as suas interpretações e aplicações e, paralelamente, transformar a Faculdade numa ‘fábrica de pareceres’ parece ser o novo desígnio. Na verdade, quando se começou a usar o conceito de educar, em vez de ensinar, por detrás desta mudança está subjacente a enorme dimensão e peso do projecto doutrinário. Por outro lado, muitos destes ‘artificies de pareceres’ são os mesmos que, a talhe de foice, não têm rebuço em ‘denunciar’ a carga ideológica da Constituição, isto é, reconhecem implicitamente que a Lei Fundamental, está 'possuída' de um vasto contorno ideológico… Uma insanável contradição!
 
A proliferação de estudos e pareceres tornou-se uma nova indústria (plena de ‘empreendedorismo’ e ‘produtividade’) a prosperar num ‘mercado’ que se pretende ideologicamente ‘livre’ (não regulado) o que não ideologicamente inocente.

É difícil - passado cerca de 1 ano - dimensionar o impacto do parecer emitido pelo 3 catedráticos de Coimbra sobre as qualidades de Ricardo Salgado, enquanto banqueiro, que terão travado a substituição preventiva (cautelar), pelo BdP, da administração do BES mas, hoje, quer os accionistas (que o Conselho de Administração solicitador do parecer representava), quer os cidadãos-contribuintes  (que poderão ser chamados à colação) acabarão por sentir os efeitos práticos, pormenorizadamente quantificados, desta nova indústria. Que, ao que parece, se pretende instalar num campus ‘livre de ideologia’.

Está manifestamente deslocada e desfasada esta nova caminhada de distorção da justiça que se esconde atrás da dissimulação e poderá introduzir desequilíbrios inaceitáveis na administração da Justiça (beneficiará quem tiver capacidade económica para pagar mais e melhores pareceres).
Os pareceres não devem ser construídos à posteriori e em ‘socorro’ exclusivo dos decisores. Quando muito poderiam ser solicitados, em circunstâncias muito especiais, pelos ‘julgadores’ (e muitas vezes só para esclarecer ‘doutrinas de Direito e de Jurisprudência’).
Mas por detrás desta paulatina mudança há um obstáculo de monta: o financiamento desta novel indústria. A carecer de uma regulamentação tão restritiva e inflexível como aquela que ditou a hipócrita exclusão da discussão ideológica do antro universitário da FDUC.

Adenda: Acresce ainda que, para ilustrar o crescimento desta frenética actividade, a recente expulsão de juristas portugueses que integravam uma missão internacional em Timor contou com a colaboração e o parecer de mais 2 professores da FDUC (José Casalta Nabais e Suzana Tavares da Silva link).

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