A laicidade como condição de sobrevivência

A luta partidária dos países democráticos, com a consequente necessidade de caça ao voto, tem levado os Estados laicos a uma estranha cumplicidade com as religiões, não se limitando a garantir a liberdade de culto – como é seu dever –, mas subordinando-se aos interesses da religião dominante.

A globalização trouxe consigo a possibilidade de expansão de todos os credos à escala mundial, aspiração que os apóstolos acalentavam, sem contarem com concorrência. Na Europa os cristãos ortodoxos procuram manter privilégios ancestrais  e conquistar os países da ex- URSS; o Vaticano pretende opor um dique ao islão e atrair os anglicanos enquanto combate o secularismo e a laicidade; as seitas evangélicas desejam penetrar no mercado enquanto o Islão, ressentido com o seu atraso e o fracasso da civilização árabe, procura islamizar o mundo nem que seja à bomba.

A Suécia acaba de ser vítima do primeiro acto de terrorismo suicida cuja origem aponta para a demência islâmica. Segundo documentos dos EUA, difundidos pela WikiLeaks, a Catalunha é o principal centro do islamismo radical no Mediterrâneo. Na memória dos europeus perduram os actos terroristas de 11 de Março de 2004 na estação ferroviária de Alcalá, em Espanha, os atentados de 7 de Julho de 2005 no metro de Londres, a onda de ameaças por causa dos cartoons de Maomé, na Dinamarca, e as ameaças da Al-qaeda.

Se os crentes das várias religiões se limitassem a salvar a alma que acreditam ter e não tivessem no caderno de encargos a obrigação de salvarem os que não querem ser salvos, tudo seria pacífico. Nenhum céptico, ateu, livre-pensador ou agnóstico se interessa pelo número de orações que crentes os rezam, os jejuns a que se submetem, a abstinência que guardam, os alimentos que proscrevem ou a vida sexual que têm. O problema reside no desvario de quem pretende impor aos outros os seus valores particulares, convencido de cumprir a vontade do deus que lhe impuseram.

A Física, a Química e a Biologia, por exemplo, todos os dias mudam e enriquecem com novas descobertas. As ciências, apesar do azedume das religiões, evoluem a um ritmo que deixa a fé, desorientada, a ruminar livros antigos e velhos preconceitos.

O horror cristão ao secularismo só tem paralelo na aversão do Papa ao preservativo. Os judeus, menos de 20 milhões, ainda reclamam a herança divina da Palestina para as suas tribos. Os islamitas, desesperados, agarram-se ao Corão como náufragos a uma jangada, sem espírito crítico, com horror ao progresso, à liberdade individual e à modernidade.

A reislamização da Turquia é um intuito perigoso contra o espírito laico das suas elites, uma obsessão do actual primeiro-ministro simpatizante do negócio dos tapetes para as orações. A Espanha enfrenta a fúria papal que a quer devolver ao redil do Vaticano e o assédio do islamismo que a pretende transformar num novo califado.

Ai da Europa, ai de nós, da liberdade, da herança do Iluminismo e da modernidade, se os Estados, com a conivência de uma esquerda pouco inteligente e de uma direita beata, abdicar da laicidade e deixar o fanatismo religioso à solta numa sofreguidão prosélita.

Sem laicidade, imposta sem subterfúgios, a Europa das Luzes pode regredir e tornar-se o espaço beato onde o poder democrático ceda o lugar à vontade do deus que ganhar a batalha da fé pela força das armas e pelo terror.
Ponte Europa / Sorumbático

Comentários

Unknown disse…
não se pode dizer islamitas quando existem sunis, shias, ismaelitas, mais os do Aga Khan. E os cristãos divididos em protestantes, diverso, ortodoxos, diversos, e católicos. Na realidade basta ajudar as diferenças para manter a laicidade, pois como a democracia é o pior sistema, à excepção de todos os outros.
Rolando:

Islamitas são todos: sunitas, shiitas, ismaelitas, mais os do Aga Khan.

Tal como são cristãos: ortodoxos, protestantes (luteranos, anglicanos, evangélicos, calvinistas), católicos e outros.
Graza disse…
Parabéns Carlos Esperança. Um quarto parágrafo cristalino. Levei-o.

Eles não percebem que a Laicidade nos obriga s ser melhores seres humanos do que eles: nós não temos o encosto que nos absolve, a nossa linha é feita de um diálogo permanente da procura do que é bem e é mal. Não estamos viciados em absolvições.
Pai de Família disse…
Colocar, no mesmo saco, todas as "religiões", sabendo-se de antemão que apenas uma e só uma é verdadeira, sendo as demais apenas seitas, é típico dos ateus militantes e dos hereges modernistas (aqueles que se dizem católicos e que defendem a secularização/laicização da sociedade e do Estado, ignorando ou fingindo ignorar tal impossibilidade).

A agenda dos que querem eliminar Deus da sociedade está, por agora, em fase de hibernação, pois a crise que atravessamos - não fossem esses hereges e ateus intrínsecamente materialistas -, vão ocupando quotidianamente o seu tempo.

Deixai a crise passar (tudo é cíclico...) e a agenda retomará em força e vigor.

O homicídio/aborto, legal e a pedido, já está.

O emparelhamento de invertidos, também.

A eutanásia, segue quando for oportuno.

Daqui até à legalização do bestialismo e da pedofilia vai um passo cujo alcance dependerá, apenas, das prioridades dos que procuram a destruição da sociedade tal como a conhecemos (conhecíamos?...).

Quem ousaria sequer sonhar, há escassos anos, o emparelhamento oficial de p.ºs?

Deus nos valha!
Completamente de acordo com o post. E não posso deixar de realçar a referência que nele se faz à conivência de certa esquerda com a beatice da direita nos ataques à laicidade. Ainda há dias aqui referi a cobardia da esquerda que assobia para o lado e finge não ver que os feriados religiosos, como o da "Imaculada Conceição" e o do "Corpo de Deus" -seja lá isso o que for -, são uma autêntica aberração num Estado laico.
Mas não é só isso. Permitam-me que cite parte de um post de Miguel Abrantes publicado hoje no blog "Câmara Corporativa":

"Ontem foi o dia em que o Bloco terá posto a Esquerda na gaveta. Reavivando a Santa Aliança, os deputados bloquistas viabilizaram dois projectos de lei do CDS-PP que degradam a escola pública e as suas condições de financiamento e inclinam o sistema educativo português para a direita. Que desvia recursos da escola pública para os colégios privados e que institui um regime de controlo de subsídios (bolsas) aos estudantes diferente do dos mandriões “do rendimento mínimo que não querem trabalhar”."

È sabido que a esmagadora maioria desses colégios privados são católicos e praticam um ensino dominado pela religiosidade católica. São estes colégios que o Bloco de Esquerda - salvo erro com a cumplicidade abstencionista do PC e dos Verdes (passe o pleonasmo) - entendeu, em contubérnio com o CDS, privilegiar. É caso para dizer que com uma esquerda assim não precisamos de direita...
AHP:

Subscrevo o seu comentário.

Fiquei indignado e sem vontade de escrever um texto de repúdio.

Mensagens populares deste blogue

Divagando sobre barretes e 'experiências'…

26 de agosto – efemérides