IRÃO: a longa persistência da indefinição...
A situação política no Irão, com o passar do tempo, em vez de se esclarecer, complica-se.
As orações dirigidas na última sexta feira pelo ayatollah Rafsanjani e a intervenção de ontem do ayatollah Khatami, são duas intervenções, neste problema, substancialmente diferentes.
Apenas têm de comum o não reconhecimento dos resultados eleitorais e, daí decorrente, ambas reconhecem implícita ou explicitamente a ilegitimidade de AhmadiNejad para ocupar o cargo de Presidente da República Islâmica.
Rafsanjani foi a Teerão dirigir-se aos apoiantes Mousavi e, portanto, como reformista, dar força à frágil componente “republicana” desta teocracia.
A "oração" dirigida por Rafsanjani foi, podemos assim dizer, quase um comício à maneira ocidental, emergindo dessa gigantesca assembleia uns incipientes passos no sentido de “democratizar” o regime.
Uma outra consequência – o tempo o dirá – poderá ter sido o início da estruturação de uma frente opositora à facção radical e fundamentalista do regime iraniano. Esta, não tão dependente de Mousavi, mas antes de Ali Larijani, ex-negociador do problema nuclear e actual Presidente do Parlamento que tem uma posição mais dura acerca da eleição de AhmadiNejad, nomeadamente, sobre o Conselho de Guardiães que, ao aceitar o modo como decorreram as eleições, considera não ter observado uma posição neutral e isenta. Para Ali Larijani “as eleições não foram limpas”.
O ayatollah Khatami dirige-se directamente ao Líder Supremo Ali Khamenei, não lhe reconhecendo a autoridade. Muito menos que tenha a última palavra sobre este assunto. Não se dirige às massas que em Teerão contestam as eleições. Ataca o coração do regime islâmico contestando o seu rígido escalonamento hierárquico. Deslocou o centro da luta de Teerão para Qoom (cidade santa) onde habitam muitos dos ayatollahs e daí dirigem as suas milionárias associações e fundações religiosas, caritativas e mercantis. Uma espécie de city financeiro-religiosa.
Há um facto que é relativamente novo no Irão. A contestação perdura, não é morta à nascença e parece ter pernas para andar. Desta vez, a repressão dos “guardas da revolução” não intimidou os iranianos, nem teve força para afogar os protestos em sangue. Algo se esvazia e se torna decadente no domínio do fanatismo e do fundamentalismo.
Finalmente, num País com uma imensa clivagem entre o meio urbano e rural, a juventude, nomeadamente a urbana, tem tido neste processo um papel importante. De inovador e também muito relevante a presença significativa de mulheres na rua em activa manifestação de apoio à via reformista. Os jovens lutam por uma reforma própria (talvez específica) do Irão. Que poderá não ser a de Khatami, de Mousavi ou Larijani.
No entanto, para evitar fragmentações, num campo onde as dificuldades de movimentação são imensas, deverão tentar uma conciliação instável:
preservar raízes islâmicas e ao mesmo tempo reformar a sociedade de uma forma compatível com o mundo actual.
Um processo que desembocará em insanáveis contradições. Mas são essas contradições que comandam os avanços e recuos da Humanidade.
E a juventude mais esclarecida sabe que é assim. Não teme as inevitáveis convulsões...
Comentários
presidente do Iran odeio judeus!
As religiões apesar de nunca cederem e resistirem a qualquer tipo de reforma, cometem erros. São produtos de concepção humana com todos os defeitos inerentes.
Um deles é a sua relação com o tempo histórico - que julgam imutável ou, as mais sofisticadas, "moldável" (aos seus interesses).
O Irão actual não é a Pérsia corrupta e forçosamente "ocidentalizada" do Xá Pahlevi, nem o regime islâmico erguido sobre a contestação das ilusões imperiais de uma monarquia repressiva e açambarcadora do poder económico e financeiro, que foi dirigida pela clique religiosa chefiada pelo ayatollah Khomeini.
Khomeini, representava a facção religiosa que pretendia fazer os mullahs islaâmicos apossarem-se de uma maioritária quota na riqueza derivada do petróleo controlado pelo regime do Xá, na déccada de 70 e com o beneplácito americano.
Isso foi conseguido em Janeiro de 1979 e a facção xiita monopolizou a posse, a utilização e a gestão dos proventos do "ouro negro", para subsidiar desígnios político-religiosos e, possivelmente, outros mais venais (como, p. exº., actualmente o nuclear).
Em 2009, o "círculo do poder" e o efectivo controlo da riqueza (petrolífera) é muito mais amplo, não se restringindo aos ayatollahs.
Teve de alargar-se e estender-se à sociedade e, apesar dos porfiados esforços da hierarquia islâmica, poderosa (não devemos esquecê-lo) não é mais possível manter a "holding" unida, disciplinada, obediente e respeitosa. Este é o drama que vive o Lider Supremo.
Será, na minha opinião, esta outra realidade, nascida da vontade dos povos disporem do seu destino (e das suas riquezas) que necessita de encontrar-se...
A actual contestação a AhmadiNejad e a "rejeição" da autoridade do Lider Supremo ayatollah Khamenei, acantonado em Qoom, pode ser o árduo caminho que os "reformadores" vislumbraram e parecem empenhados em percorrer, ao encontro com os novos tempos.
Ou, por outro lado, estas mutações, num País altamente hierarquizado em torno do poder religioso, pode levar a facção mais radical, mais fundamentalista, a tentar perpetuar-se no Poder, através de uma sangrenta repressão.
Hoje, o Irão balança entre variadas "nuances".
Mas o denominador comum é a indefinição.
Dão a sensação de estarem a contar espingardas...