O Catur e o funeral do Martins (Crónica) – No 50.º aniversário do começo da guerra

Não adivinhava, quando, há dias, quis libertar-me de uma dolorosa memória e fazer a catarse de uma época, que a publicação da crónica, no mural do facebook, coincidiria com o 50.º aniversário da proclamação da insurreição geral pelo Comité Central da Frelimo. Precisei de confirmar com antigos camaradas alguns pormenores e ocultei os mais macabros, que ainda doem muito. Os telefonemas ditaram a coincidência.

Há, pois, cinquenta anos que começou oficialmente a guerra colonial em Moçambique. Triste efeméride que um ditador, na sua obstinação, prolongou. Amargo acontecimento que tantas tragédias semearia. Na coincidência da data há uma sinistra ironia. Volvidas quatro décadas e meia, com fraturas ainda expostas e a sangrar por dentro, não esqueço a sinistra governação salazarista.

Foi ela, com os seus sequazes, a responsável dos dramas dos retornados e das cicatrizes que transportaram, das vidas que se esvaíram em ajustes de contas que o ódio acirrou, as tragédias semeadas por quem não veio à janela do mundo espreitar os ventos da história.

Faz hoje 50 anos que a Frelimo começou a guerra de libertação. Como posso deixar de recordar o Abreu, de Massangulo, de quem me despedi dois dias antes e que na véspera de ir de férias para Lourenço Marques, morreu numa emboscada, no Caracol, nome que dávamos à picada que serpenteava os montes que se erguiam entre Massangulo e Vila Cabral? Não voltaria ao Niassa porque a Companhia, durante as suas férias, ia regressar para o sul onde a paz ainda reinava. Foi a última escolta que comandou e ficou onde não voltaria.

E o Dias? Acabado o almoço morreu à saída do quartel esmagado pela Berliet em cujo para-lamas insistiu em sentar-se, apesar do condutor lhe ter pedido para não o fazer. Era ele o comandante da escolta. Durante dois minutos.

Dos 101 desaparecidos, na jangada que se virou no rio Zambeze, um era soldado meu, pai de uma criança que o não conheceu, desaparecido no turbilhão das águas revoltas e na voracidade dos crocodilos que infestavam o rio.

Maldita ditadura.

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