A vinda de Guernica para Espanha
Guernica na pátria mártir que a inspirou
Ontem o DN referia a efeméride do «regresso a Espanha do quadro de Pablo Picasso». Creio que não se tratou de um regresso mas da chegada da mais emblemática tela que retrata o bombardeio sofrido pela cidade espanhola de Guernica em 26 de abril de 1937 por aviões alemães, apoiando o devoto facínora Francisco Franco.
A tela de 3,5 metros por 7,82 foi pintada em 1937 para a Exposição Internacional de Paris, onde foi exposta no pavilhão da República Espanhola, República que o grotesco general derrubou com os massacres apoiados por Hitler e Mussolini.
Picasso quis que a tela fosse para Espanha, se a memória me não falha, depois da morte de Franco, com a Espanha a viver em democracia e para fazer parte do Museu do Prado, altura em que deixaria o Museu de Arte Moderna Nova York, onde foi preservada desde a segunda Grande Guerra.
Cumpriram-se as três vontades do mais genial pintor do século XX com uma habilidade que me pareceu justa. Foi exposta do Palácio do Bom Retiro, onde podia ser vista com o bilhete do Prado que, então, serviu também para o Palácio do Bom Retiro e um qualquer museu militar das imediações que os visitantes ignoravam.
Recordo a emoção com que observei os desenhos cuja sequência era apresentada até se chegar à obra final, no magnífico e imenso salão do palácio onde o visitante se sentia esmagado perante a maior obra cubista de sempre e a mais carregada de simbolismo.
Fora de propósito para ver a Guernica, pouco tempo depois de ser exposta e, desde aí, nunca mais deixei de contemplar a tela em todas as minhas idas a Madrid. A definitiva transferência para o museu Rainha Sofia pode não respeitar a vontade que julgo ter sido expressa por Picasso mas nem a tela nem o visitante ficam a perder.
A imensa tela, carregada de inspiração e raiva, a branco e preto, é um libelo acusatório contra a ditadura, a guerra e a demência nazi. Visitá-la, gastar horas a percorrer-lhe os detalhes, a admirar a genialidade do autor e a refletir sobre a natureza humana é um ato de cultura que perpetua o êxtase da contemplação e a memória que transportamos.
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