Cimeira de Paris: en passant

Cimeira de Paris em 15.09.2014

Ontem, reuniram-se em Paris, sob os auspícios do presidente francês, representantes de 30 países que acordaram coligar-se para enfrentar o Estado Islâmico, recorrendo a todos os meios necessários (‘par tous les moyens nécessaires’) … link.

Estamos perante uma iniciativa diplomática de vulto que visa agregar países para uma coligação com fins específicos e balizados.  Todavia, à margem desta Conferência, os EUA, já divulgaram a estrutura da dita coligação, mais ampla (englobará afinal cerca de 40 países), com diferentes protagonismos e funções que vão da intervenção militar, apoio logístico, fornecimento de armamento, instrução de quadros militares, partilha de informações e bloqueio das fontes de financiamento do Estado Islâmico.
No grupo da intervenção militar e do armamento, e sob o alto comando americano, estão incluídos países como a França, o Reino-Unido, Canadá, Austrália, Alemanha, Itália, etc.. No campo da ajuda humanitária e do financiamento da resposta que está a ser gizada contra o Estado Islâmico destacam-se alguns países árabes como a Arábia Saudita, Koweit e outros muçulmanos como a Turquia. 
Trata-se de uma ampla coligação. Nem todos representam aquilo a que as guerras nos habituaram. Estes ‘novos aliados’ não alinham pelo mesmo tipo de motivações políticas e outros interesses (económicos e financeiros) pairam à margem (ou por cima) de acordos de princípios. 

O desenvolvimento deste plano de intervenção (pretensamente sem colocar as botas no terreno) corre o brutal risco de vir a desencadear uma guerra no Próximo Oriente, cuja dimensão e proporções é difícil de prever neste momento. Parece cada vez mais distante e ingénuo a pretensão de não envolver meios militares terrestres no conflito. Esta é mais uma falácia militar como outras recentes (p. exº:  zonas de exclusão aérea).

Agora, e tal como já sucedeu em 2003, aparece novamente os EUA – ‘malgré tous les efforts de  François Hollande’ – a assumir o papel de ‘polícia do Mundo’. A função (o trabalho de sapa) caberá ao recém formado grupo (os equilíbrios com o Congresso assim o exigem), segundo critérios desenhados no Pentágono e Hollande (com Cameron na sombra) desempenhará, em nome da Europa, o papel de meeiro, um pouco no estilo das ‘palhaçadas’ a que nos habituou Sarkozy.

Uma coligação de tão vasta dimensão não é concebível que seja construída e organizada fora do quadro da ONU. Um outro pormenor: O Estado Islâmico ocupa (implantou-se) em território iraquiano e sírio.
Ora bem, a Síria não foi convidada para esta reunião internacional. Para todos os efeitos a Síria está na origem remota dos problemas actuais do Médio Oriente, encontra-se directamente envolvida na questão do ‘Estado Islâmico’ e dificilmente poderá ser afastada das soluções. Mais uma vez, na reunião de Paris, tentou-se passar ao lado da origem da ‘questão síria’, contornar o facto de os problemas terem começado pela irresponsável tentativa promovida por alguns Países aí representados, de substituir o regime ditatorial de Al-Assad por um outro de cariz islâmico. E, mais uma vez, se ladeia o problema recorrendo a um expediente. Na realidade,  o ‘pesadelo sírio’, oficialmente expurgado da reunião, esteve aí representado pela Rússia.
Trata-se de uma situação que, se o processo em curso tivesse decorrido no seio da ONU estaria ‘naturalmente’ ultrapassada já que envolveria todos os membros da Organização, ou pelo menos os que estão representados no Conselho de Segurança, sem necessidade de ‘convites’ especiais e evitando chicanas como as que o Irão se apressou a levantar sobre esta ‘coligação’  link.

Considerando como adquirida e consensual, no Mundo civilizado, a necessidade de enfrentar o auto-intitulado ‘Estado Islâmico’ que, para além de representar uma ameaça terrorista regional, ou até global, poderosamente organizada, armada e financiada, associa essas características ameaçadoras da paz e da segurança internacional a bárbaras práticas contra a Humanidade, temos de reconhecer que, apesar de um aparente e alargado consenso, nem tudo – mais uma vez – começa bem. 
Paira no ar um pesado odor a ‘Entente’, sem se detectarem grandes laivos do ‘cordiale’...

Comentários

Manuel Galvão disse…
Vícios privados, públicas virtudes...

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