Viagem ao Brasil

Rio de Janeiro
Um poeta brasileiro definiu os compatriotas como portugueses à solta. Eça, com ternura, escreveu n’As Farpas: «O Brasileiro é o Português – dilatado pelo calor». É esse português que vale a pena conhecer enquanto se aproveita o calor e descobre o país que lhe serve de habitat.

Há cerca de uma década e meia passei dez dias no Rio e fiquei fascinado. Jurei que voltava, promessa de que me desobrigaria nas férias do ano 2000, em Setembro, alargando a visita a outras paragens.

Visitar o Brasil não é um ritual que se cumpre ou a folha que se rasga no calendário das viagens. É um encontro com a história, um sonho de que se acorda num país imenso, uma viagem aos afectos da nossa memória.

Para lá do mar, da areia, das ondas e da sua espuma, está um povo de braços abertos aos nossos abraços.

Em Salvador estão os meninos pobres de olhos doces, capitães da areia a ver o Quincas ou o Quincas Berro de Água a sair a barra em seu saveiro ou a aguardar Vasco Moscoso de Aragão – Capitão de longo curso – para afogar-se em álcool, nos botequins, em noite de tempestade.

Em Salvador viveu Jorge Amado do carinho de Zélia, seu elixir, vivem deuses, muitos deuses, trazidos pelo mar, sempre pelo mar, pelo mar do imaginário negro onde habitam. Jorge Amado há-de continuar a viver enquanto as cinzas andarem por ali. Dos livros, dos muitos livros que escreveu, saltam personagens que viram nomes de ruas, largos, galerias, restaurantes, lanchonetes e churrascarias.

Em cada esquina há um templo, em cada baiano um crente radical, em cada criança um rosto onde espreita a fome, rostos onde brilham olhos de lágrimas secas pelo sofrimento.
E há a cor, a imensa cor, que do céu, da areia e do mar salta para as telas em tons de amarelo pela mão de numerosos pintores que pululam em Salvador.

Natal e Fortaleza são outros portos onde se amarram as âncoras das recordações, mercados onde se sacia a febre das compras, pontos de partida para ilhas tropicais, sítios de chegada de extenuantes caminhadas.

E há os buggys em viagens radicais pelas dunas dos nossos medos, jangadas de tracção humana a fazer a ponte entre duas margens, ilhas tropicais na exuberância da sua flora, os lagos e as praias de águas mornas de tantas e variegadas cores e areias cálidas de tantos tons, e as gentes, as gentes afáveis que se pelam por um papo.

Ficam na memória os olhos meigos dos meninos de Salvador e o humor, num país cuja gente tem todos os nossos defeitos acrescidos de outros por conta própria ou geração expontânea.

E no Rio de Janeiro lá aguardam, entre mar e vegetação luxuriante, Copacabana, Leblon, Tijuca, o Pão de Açúcar à espera do medo e vertigem dos veraneantes, o Corcovado, o Jardim Botânico, enfim, a cidade mais maravilhosa do mundo, ferida pelas favelas da Rossinha, Pavão Pavãozinho, Canta Galo e tantas, tantas outras, que sobem ao cume de montes e chegam ao céu.

Não sei se foi macumba ou sortilégio que me levou pela segunda vez ao Rio. Sei que gostava de voltar outra vez ainda. Já no último dia, pouco antes de entrar no avião onde me aguardava um comandante com alma de poeta e convicção de pastor evangélico, com duas homilias preparadas, uma para a recepção e outra para a despedida, visitei a catedral, paradigma duma certa modernidade do Brasil.

Encontrei um pedido carregado de fé que um devoto depositou junto à imagem da Senhora da Aparecida – verdadeira metáfora de brasileiro padrão. Transcrevo-a com o respeito devido, em letras maiúsculas, como o fazia o texto:

“EU UBIRAJARA DA CONCEIÇÃO ESTO PRESIZANDO DE UMA COMPAEIRA PARA ME DAR AMOR E FAZER, UMA JOVEM MULER SEM COMPROMISO QUE TENHA CASA.”

Por desespero, ou por não se fiar na Virgem, dirigiu a S. Sebastião igual pedido, com a solicitação suplementar de um emprego. Os pedidos estavam bem à vista, sob os olhos dos ícones que não poderiam alegar desconhecimento, a menos que se refugiassem em pretextos ortográficos.

Quem sabe se os pedidos que o céu não tinha escutado já começaram a ser atendidos por ouvidos mais terrenos no país de Lula. Quem sabe.

Comentários

Anónimo disse…
Feira Outlet no estádio municipal


Durante três dias, a feira das oportunidades leva ao Estádio Cidade de Coimbra diversas marcas de roupa, calçado, acessórios de moda, joalharia e decoração.

MAIS UMA SEM LICENÇA DA CÂMARA!
ATÉ QUANDO VAI CONTINUAR ESTA VERGONHA?
ASSIM NÃO HÁ CONDOMÍNIOS QUE NOS SALVEM
cãorafeiro disse…
o brasil condensa num só país o melhor e o pior que este planeta em que vivemos tem...

mas para mim o melhor do brasil é ter uma sociedade que luta com muita força por uma vida melhor, contra tudo e contra todos, que gera um dinamismo cultural sem paralelo em mais nenhum país do mundo, e que teima em acreditar que vive num país maravilhoso...

só um exemplo:

http://www.soudapaz.org/

contra a proliferação de armas de fogo, a mobilização da sociedade brasil obrigou ao lobbies do armamento a retrairem-se ,e dentro de dias (23out) será realizado um referendo nacional para proibir a venda de armas a civis. as pessoas estão cansadas de vio´^encia e decidiram agir e pressionar o poder... e não é que estão a conseguir?

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