À ESPERA DE CAVACO
Na sua Crónica de D. João I narra Fernão Lopes “as tribullaçoões que Lixboa padecia per mimgua de mantiimentos” durante o cerco que lhe foi feito pelos castelhanos em 1384.
Diz o cronista: “Os padres e madres viiam estallar de fome os filhos que muito amavom, rrompiã as faces e peitos sobr’elles, nom teendo com que lhes acorrer, senom plamto e espargimento de lágrimas;”
Entretanto, “sabia porem isto o Meestre e os do seu comsselho, e eram-lhe doorosas d’ouvir taes novas; e, veemdo estes malles a que acorrer nom podiam, çarravam suas orelhas do rrumor do poboo.”
São grandes e manifestas as semelhanças e as diferenças entre a situação assim descrita e a situação atual do País. Tal como então, o povo padece horríveis tribulações por carência de meios para satisfazer as suas mais elementares necessidades, designadamente alimentares.
Mas em 1384 o problema era provocado pelo cerco que o inimigo estrangeiro infligia à cidade, e os habitantes desta, dirigidos pelo Mestre e os do seu Conselho, resistiam heroicamente – e a final vitoriosamente – aos ataques dos sitiantes; agora também estamos cercados “pelos mercados”, mas a miséria é provocada pelos próprios dirigentes do país, que não oferecem qualquer resistência, antes se mancomunam com o inimigo, a quem prodigalizam obscenos abraços e beijinhos.
Na altura, ao Mestre e aos do seu Conselho eram dolorosas as desgraças do povo, e só procuravam não as ouvir porque não lhes podiam acorrer. Agora os governantes, podendo acorrer às atuais desgraças, não só não o fazem como as agravam, com “medidas de austeridade” cada vez mais severas e que só atingem os mais pobres e empobrecem os remediados, continuando os ricos e poderosos a viver à tripa forra e ainda por cima a insultar os pobres, com a cumplicidade do governo, apodando-os de “piegas” e “cigarras” e dizendo que querem viver “acima das suas possibilidades”.
Passos e Gaspar “çarram as suas orelhas” ao rumor do povo porque só lhes interessa salvaguardar os interesses dos poderosos. Para Gaspar pura e simplesmente não há pessoas, mas apenas números e estatísticas (com que ainda por cima lida mal). E o carrasco Passos Coelho é absolutamente insensível ao sofrimento dos portugueses, suas vítimas; ele próprio se ufana publicamente de que, no meio de toda a desgraça que o povo por causa dele sofre, “dorme descansado”! Deve ser o único português que consegue fazê-lo...
Enfim, é manifesto que do governo não há nada a esperar, a não ser mais desgraças, designadamente as que já estão previstas no orçamento para 2013 que a coligação CDS/PPD vai aprovar na próxima semana.
Mas será que o Presidente da República, uma vez perpetrada a aprovação desse criminoso orçamento, também vai “çarrar as suas orelhas” ao clamor do Povo?
Comentários
Cavaco não é Mestre, nem de Avis, nem de outra coisa.
Quando muito será um controverso domiciliado da Coelha...
nem pra guardar a loja da curiosidade dos pró fanus ser via do infante
Como deve calcular, aqui entre nós que ninguém nos ouve,as minhas esperanças de que Cavaco faça alguma coisa nos escassos dias que tem, depois de aprovado o Orçamento, para exercer o direito de veto ou requerer a apreciação preventiva da constitucionalidade do diploma, são praticamente nulas.
Por isso dei ao artigo um título deliberadamente ambíguo: "À espera de Cavaco" remete para a obra de Beckett "À espera de Godot"; ora, como é sabido, Godot nunca chega a vir...
Mas, contrariamente ao que se passa na obra de Beckett, não vamos esperar indefinidamente; ele só tem os tais escassos dias para se definir. E, para mim, é a sua última oportunidade para o fazer.