Os sindicatos, a greve e a vanglória presidencial….

Os sindicatos, hoje, são muito mais do que negociadores de questões estritamente laborais. Participam na organização do ‘mundo do trabalho’, lutam por equilíbrios nas tarefas de redistribuição ‘social’, arbitram problemas políticos, concertando ‘interesses’.
Assuntos como a conjuntura económica, os mecanismos financeiros, o desenvolvimento, os níveis de emprego, os preços, os lucros, os dividendos, etc., alinham-se com as primárias reivindicações salariais, que colonizaram os sindicatos no final do século XIX e início do XX.

Nos tempos que correm os sindicatos necessitam de concertar múltiplos interesses, uns divergentes, outros agregadores, inerentes a situações díspares que têm de enfrentar, como seja: os jovens, os reformados, os idosos, os desempregados, os precários, as mulheres, etc. Este será o ‘interior’ do movimento sindical, a sua rotina.

Cá fora – nas sociedades democráticas e abertas – (co)existem ‘outros mundos’ e as abordagens sindicais, vão no sentido de estudá-las, compreendê-las, discuti-las, questioná-las para, em última análise, ganhar capacidade de intervir (socialmente). E quando se ‘salta’ esta barreira e se avança para além das meras questões remuneratórias, das carreiras, da formação, do recrutamento, da contratação, para a sociedade em geral, começa aí a vertente sindical de parceria política.

Na greve de ontem pouco se falou, em concreto, dos salários. As motivações foram suficientes amplas e visaram congregar muitos portugueses tendo como denominador a recusa de austeros ‘ajustes’ em direcção a um fatídico empobrecimento de todos, do País. Mobilizou-se no sentido de recolocar no terreno social indispensáveis alternativas políticas. Antes de mais, procurou-se intervir massivamente nas empresas e na rua para evidenciar a necessidade de promover substanciais mudanças ao actual rumo político do País, que já mostrou ser um tremendo fracasso.

Todos aqueles que, estando no poder, foram solicitados para se pronunciar sobre esta greve, começaram por tecer bajuladoras reverências ao direito constitucional que lhe está subjacente, seguindo-se um rebuscado ‘mas’… sobre inconveniências e inoportunidades de participação (do movimento sindical) na vida pública, que se quer a todo o preço 'estável'.  Estes ‘mas’ são indícios reveladores de concepções abstractas acerca do exercício da cidadania que, no entender dos actuais governantes, deve ser limitado a formas inócuas e assépticas de participação, devendo demitir-se (o movimento sindical) de tomar posição sobre decisivas questões que, neste momento, preocupam e mobilizam os cidadãos.

Por último, aquele homem que habita o palácio de Belém e se refugia na condição de (poli)reformado para a sua remuneração, atrevendo-se (em jeito fantasioso e demagógico) a anunciar que, “apesar da greve, da minha parte não deixei de trabalhar…link , não fez mais do que exibir, perante o País, uma alienada e perturbante visão da actual crise política e social. Ontem, ao vangloriar-se de ‘estar a trabalhar’ demitiu-se de desempenhar de qualquer papel moderador na actual crise, revelando – isso sim – um confrangedor e improdutivo autismo em relação a tudo o que o rodeia. Começa a tornar-se nítido que a maior vanglória que nos podia oferecer seria deixar-se de extemporâneas ‘jactâncias laborais’ e, em conformidade com o reclamado estatuto de reformado, dar tréguas a todos aqueles - e são muitos - que estão sendo atirados para a pobreza, o desemprego e a indignidade.

Comentários

Caro e-pá
Excelente comentário.
Só por absoluta falta de tempo é que não pude escrever um post sobre as "declarações" do Presidente da República. Numa altura em que praticamente todo o povo português se revolta contra o governo - a greve geral foi apenas um episódio dessa revolta - Cavaco, com as suas infelicíssimas palavras, veio demonstrar que é cada vez menos Presidente de todos os portugueses e cada vez mais apenas presidente do seu partido.
É triste. Aquele de quem se esperaria que pudesse ser solução para o problema torna-se antes parte do problema...
O que significa a declaração do PR de que não fazia greve quando as funçõs lho impedem?

Afirmações gratuitas, como é hábito e proteção ao governo que protege.

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