Bertolt Brecht, Mota Pinto e a Ópera dos Três Vinténs

Quando Paulo Mota Pinto, sem problemas éticos, suspendeu as funções de presidente do Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (CFSIRP) para aceitar a sinecura de chairman do BES, pareceu que não restava mais um módico de pudor, um resquício de amor-próprio, uma noção vaga de serviço público no país que lhe concedeu uma reforma obscena aos quarenta anos como ex-conselheiro do Tribunal Constitucional.

Nem o facto de ele ter votado o período de nojo obrigatório a quem exerce funções no SIRP, impedindo a entrada numa empresa privada com os segredos que detém, fez com que o chefe dos fiscais se sentisse vinculado ao que os fiscalizados estão sujeitos.

A decadência ética tem acompanhado a dívida pública e, se a segunda chegou ao ponto de impagável, a primeira atingiu o ponto de não retorno.

Brecht, na Ópera dos Três Vinténs, coloca-nos no Soho, bairro pouco recomendável de Londres, no século XIX, onde antecipa o Portugal venal, corrupto e marginal de hoje.

Mota Pinto não é Mac Navalha, mulherengo e bígamo, casado com Lucy, filha de Tiger Brown, chefe de polícia, que casa secretamente, num estábulo, com Polly, a filha do seu colega marginal, Peachum, "Rei dos Mendigos", mas, ao regressar às funções que devia ter honrado, sem as trocar por uma sinecura, que falhou, no grupo financeiro do maior e mais trágico escândalo português a nível global, dá de si, da política e do país a imagem que podia ter inspirado o grande dramaturgo, poeta e encenador alemão.

Retorna à presidência do CFSIRP num final feliz, a recordar a peça notável de Brecht, desta vez em deprimente comédia e sem necessidade de perdão real. Devia regressar ao som da música de Kurt Weil, para que, nesta medíocre ópera-bufa, pudéssemos recordar a Ópera dos Três Vinténs com o som do genial compositor.

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