O equívoco pronunciamento no calçadão de Quarteira …

Calçadão de Quarteira
Ontem, no calçadão de Quarteira, num suposto convívio partidário que ainda se julga no Pontal, o primeiro-ministro deu discretas mostras de ter compreendido alguma coisa (penso que pouco) do que tem sido a jurisprudência maioritária que impera nas decisões do Tribunal Constitucional (TC). Isto é: o ajuste orçamental não deve ser feito à custa de cortes cegos nos salários dos trabalhadores da função pública e nas pensões baseado no entendimento constitucional acerca da “equidade e solidariedade”, quadro com amplos reflexos políticos, sociais e económicos que Passos Coelho confessadamente não entendeu mas foi forçado a aceitar ao fim de nove ‘chumbos’ link.
Esta ‘guerrilha’ (repetidamente desmentida pelo Governo) teve elevados custos que não tardarão a emergir dentro da sociedade portuguesa e que são totalmente injustificáveis quando centradas em comportamentos erráticos, como a teimosia.
Na verdade, o concerto orquestrado com a colaboração da UE, BCE e FMI, instituições a quem foi reconhecido do ‘direito de interferir’ no País através do estatuto de credores, mostra que em conformidade com uma deriva ideológica sempre disfarçada se ocultava uma ‘pequenez constitucional’ onde o respeito pela soberania não tinha cabimento. Existiu, de facto, um TC cauteloso intérprete da CRP, mas o ‘Governo de Portugal’, ficou-se pelos pins das lapelas dos cheviotes dos seus membros e assessores.

Até aqui o TC tolerou cortes temporários e excepcionais, em conformidade com a gravidade da situação orçamental que o País viveu (e em muito aspectos ainda vive) mas já tinha dado suficientes indicações que não aceitaria situações definitivas de empobrecimento através do esbulho de salários e pensões por mais manhosas que fossem as argumentações. E foi isso que aconteceu quando o Governo enveredou no travestismo (semântico e temporal) à volta de uma contribuição extraordinária de solidariedade transformada numa medida permanente de sustentabilidade, tentando ludibriar a Constituição e os seus guardiões.

Mas nem tudo ficou explícito na Festa de Quarteira já que quando o primeiro ministro atira o problema das pensões para cima do País (“O problema não é do Governo, é do País”) numa tentativa de disfarçar (apagar) a incompetência governamental e, pior, insistindo no acirramento do conflito intergeracional ao endossar a resolução do problema da Segurança Social para os mais jovens link.  
A grande incongruência política é o auto-elogio repetido e permanente do primeiro-ministro aos actos praticados por este Governo para na fala seguinte afirmar que a austeridade é para continuar. A receita integradora de gerações é, para este Governo, o empobrecimento generalizado do País (velhos e novos) através de uma austeridade feroz. Este pensamento - esta receita - teria o condão de atingir (destruir), no presente e no futuro, as perspectivas de todos [mais jovens, adultos e seniores] eliminando radicalmente a solidariedade geracional, um precioso bem social e cultural, por motivações cíclicas financeiras baseadas na especulação e em transferências transnacionais de capitais.

É preciso não esquecer na análise das palavras proferidas por Passos Coelho na Quarteira o lema que tem orientado toda a acção governativa (‘menos Estado, melhor Estado’) e compreender que ‘menos Estado’ passa pelo desmantelamento do Estado Social e a sua transformação numa residual estrutura assistencial.
Ora, não é isso que está inscrito (e escrito) no texto constitucional, não foi isso que foi apresentado aos eleitores e sufragado em 2011 pelo que às constantes inconstitucionalidades já verificadas, se junta uma gritante falta de legitimidade democrática.
O primeiro-ministro não tem que se queixar do TC, não tem que devolver os problemas ao País (em jeito de ameaça) porque se fosse essa a solução ela passaria inevitavelmente por eleições antecipadas. É aí que o País se pronuncia. Não é numa manifestação partidária pós-prandial (designada de ‘Festa’) no calçadão da Quarteira, nem iludindo o problema fazendo o enésimo apelo ao maior partido da Oposição para entrar, no fim do ciclo governamental, num ‘pacto de legislatura’ que, não o disse mas terá pensado, passaria pela privatização da Segurança Social. O Governo não precisa de parceiro para obter reformas estruturais, pretende é arranjar à última hora um cúmplice para se apresentar como inocente nas próximas eleições legislativas.
Haja o mínimo de bom senso porque o consenso já há muito que foi torpedeado (ontem e ao longo do mandato legislativo).

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